segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Ximeliana Dzukuta/boas festas

Ximeliana Dzukuta
Ximeliana Dzukuta, Ximeliana Dzukuta/niku patsa ni matega dzukuta/niku tota ni ximate dzukuta. Calada da noite, no areal, a luz do luar, no bairro de caniço, na verdade na Polana Caniço, divertia-me ao som deste e outros cânticos.
Havia sempre uma Ximeliana no meio a quem era dedicado esta música e repare, quanto mais condimentos para patsar a Ximeliana, mais apetecível ficava e aquela, regozijava-se de saber que causava tanta água na boca. Mas se esta canção não dizia em concreto quem era a Ximeliana, fazia-se necessário, procurar uma outra mais especifica, dai que não tardava que cantássemos loko niku dentro Polana, Nikhumbuka Mariza wamina, Shaku leha nhana Mariza, kambe vata teka nanwana (quando chego a Polana, vem-me a mente a minha Mariza, tão altinha, pena que os outros vão levar).
Esta canção, era na verdade, uma declaração de amor em praça pública, onde se esperava toda e quaisquer reacções, porque se a Mariza, não gostasse, ela entrava na roda e cantava o nome de quem era seu escolhido, com o risco de não ser nunca a pessoa que a escolheu.
Não havia, com efeito, pior vergonha que, quando as declarações de intenções divergiam.
Por outro lado, as meninas cantarolavam “a vasati va djoni ava lunganga, vani tekeli nuna wamina” (as sul-africanas não são boas, roubaram-me o marido). Esta canção, era também interessante porque se a rapariga estivesse interessada por um dos rapazes, era só substituir a parte de nuna (marido), pelo nome do seu amado e pimba.
O mais interessante nisto, era a carga melódica que estas canções carregavam, fazendo com que se cantasse por largos espaços de tempo, sem se tornarem enfadonhas, aliás, quanto mais longas, eram mais abrangentes
Outro facto interessante era a declaração de intenções por detrás da canção, isto é, a canção, como veículo transmissor do mais puro sentimento guardado no nosso íntimo. Outrossim; o entendimento destas canções era uma chave possível para uma aprendizagem social.
Hoje, não consigo olhar para trás sem que estas canções e outras me invadam a mente, porque partes de mim. E mais, estas canções desmascaravam as nossas almas, criavam em nós episódios de aproximação, tornavam-nos generosos, cimentavam em nós uma solidariedade instintiva e acima de tudo; socializavam-nos.
Em meia idade, ia ouvindo já executores como fany, Mutcheca, Zeburane, Mahecuane, Xidimingane, Mhula,Chiau….e estes, pareciam recriar com as suas canções aquelas que ouvi na infância, como que de uma reminiscência se tratasse. E hoje, já adulto, recordo a criança em mim com as mesmas músicas e mais, consolido o adulto e tomara que saiba transmitir estas músicas aos meus filhos, e crie neles, o mesmo sentimento que estas criaram em mim: esperança e dignidade.
A todos que acreditam na nossa música e nos seus valores, na possibilidade desta ser um contributo válido para a sociedade, vai uma prece de que o novo ano seja melhor em todos os campos.
Festas felizes a todos e principalmente aos amigos do Modaskavalu e claro, para todas as Ximeliana.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Hodi Ni pfulele N'kata

Hodi ni pfulele n’kata

Nili hodi nili hodi, hodi nipfulele nkata
Nili hodi nili hohi, hodi ni pfulele mine

Capulana dza libungu dzaku shonga ku yambala va mapswele
Capulana dza libungu dzaku shonga ku yambala va mapswele

Ni pfuleli nkata
Capulana dza libungu dzaku shonga ku yambala va mapswele

Pfula axi pfalu anipfala nkata/pfula axipfalu ani pfalanga mine
Ni pfulele nkata… _Fany Mpfumo.


O Fany sempre fascinou-me pela sua criatividade e trato nas suas músicas. E mais, na elegia que fazia a mulher, cantando-a de forma graciosa e contribuindo até para elevar a sua auto-estima, como bem o fez na música leswi wena unga kuluka/unga bola….”, como quem diz “mereces casar comigo mesmo magra, baixa, alta ou podre de gorda…”

Bom, devem já ter notado com a introdução, que não pretendo falar de todas as músicas de Fany, mas de uma em particular, o “Hodi”, este hino, que mexe comigo, quando cantado pelo próprio Fany e mesmo em versão cantada por Hortênsio Langa, Arão Litsure e outro executante de proa da música moçambicana.

Hodi em changana, significa “pedir licença”e/ou bater a porta. Quem diz hodi, pede permissão para entrar e de principio numa casa ou em algum outro lugar restrito que precisa da anuência da outra parte, (o destinatário do pedido.)

O Hodi ni pfuleli nkata, remete-nos a ideia de que o dono de casa pede licença na sua própria casa, e suplicando à sua própria mulher, para que o deixe entrar.

Ora, se no contexto social do Fany o dono de casa era o dominus, o munumuzana, a quem desprestigiava e desonrava para amigos, familiares e vizinhos saber que bate a porta da sua própria casa, como se pode explicar tal comportamento?

A resposta a este questionamento nos leva a conclusão óbvia de que este pedir permissão, não tem nada a ver com o entrar numa casa, ou o bater de uma porta. Tem a ver com algum outro lugar de acesso completamente restrito e me questiono: que lugar será este?

Bom, uma coisa é clara; Fany concretiza na música que bate a porta, quando a sua mulher, o responde dizendo: “Pfula axi pfalu ani pfalanga nkata/, pfula axi pfalu ani pfalanga mine”, (abra a porta que não fechei meu marido, abra que não fechei)

Ora, quando o Fany faz do lugar que quer entrar uma incógnita, para meia volta concretizar que bate uma porta, tal, torna-se tão óbvio e por conseguinte contraditório, isto porque não faria sentido pedir licença na sua própria casa, por um lado, e por outro, a enunciação da incógnita.

Voltamos assim ao lógico questionamento: que lugar o homem precisaria de pedir licença à sua própria mulher para entrar?

Deve e há-de ser algum lugar onde o dono da casa para entrar, dependeria da vontade da sua esposa, falamos de uma porta, onde o social, mesmo com a sua força não consegue intervir, porque, restrito e íntimo.

Mesmo que se aceite que o homem foi sem as chaves, (porque havia situações em que o homem queria entrar em intimidades com a mulher e os filhos de forma alguma deviam se aperceber), este, perdia-se no meio da noite até ter a certeza de que os filhos apanharem sono.

Mas ai está, não faria sentido que pedisse licença porque despertaria os filhos, de quem teve que queimar a noite até que dormissem. Mas Dizia que mesmo que aceitássemos que este homem foi sem chaves, não faria sentido que ele insistisse para que ela abrisse, porque para além do bater a porta característica do dono da casa, a mulher, naquele tempo não apanhava o sono enquanto seu homem não voltasse, dai que não faz sentido a insistência (nipfuleli n’kata), para além de que conhecedor dos segredos de abertura da porta.

E voltamos ao mesmo ponto: que porta quer que se abra o Fany?

Talvez a nossa resposta esteja no verso que canta a seguir ao nipfuleli nkata, quando a mulher responde “pfula ashi pfalu a ni pfalanga nkata, pfula ashipfalu ani pfalanga, para em coro já cantar capulana dza libungu dza kushonga ku yambala va mapswele (abra a porta que não fechei, abra que não fechei/a capulana linda e vermelha, é trajada por matronas)

O capulana dza libungu dza ku shonga, (embora tenha-me referido em um outro escrito que fazia referência ao ciclo menstrual, tal não se sustenta, senão isoladamente, pois, não se compreenderia que a mulher acedesse ao bater da porta, quando de período. Só lembrar que era tabu e por isso mesmo prenúncio de varias desgraças, fazer amor com a mulher no período.

Olhando o “capulana dza libungu”, no conjunto, como se pretende, e sendo aquela a resposta da mulher, vai significar cedência, para o acto sexual, uma vez que “não estou na menopausa, logo, apta para o acto (capulana…kuyambala va mapswele), onde o “libungu-vermelho”, seria a menopausa.),
Bom, é uma explicação possível, mas de toda a forma, fica claro que Hodi, faz assim referência ao pedido do homem para o acto sexual, onde pede o Fany, para que a mulher o deixe entrar para desfrutar não só do acto, mas também para lançar a semente de modo a que nasçam filhos, razão última da comunhão de vida.

Contudo, há quem olha para o Hodi com a simplicidade que é cantada, sem metáforas, nem parábolas, onde o homem, simplesmente, pede a mulher que abra a porta da sua própria casa!

Sim…o que teria isso de errado? E não imploramos hoje que nos abram a porta em nome da igualdade? E mais, não nos arriscamos a dormir nas escadas, por ter saído contra a vontade da senhora? Não imploramos aos ouvidos abertos e sempre atentos do vizinho na madrugada para entrar mesmo que seja para dormir na sala? Mesmo com as chaves, não abrimos e depois, detemo-nos com os ferrolhos interiores que nos remete ao hodi?

Seja como for interpretado o Hodi, será sempre este hino malandro do homem que implora a mulher para entrar, sabe-se aonde e para quê.
Amosse Macamo

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Sambrowera Fandanga; o Enigma

Sambrowera Fandanga: o enigma

Conheci-o (será que alguém o conhece?) Simeão Mazuze, e como que envolvido por um despertar filosófico, ficou Salimo Muhamad.

Confesso, sempre tive sérias dificuldades de falar deste músico, aliás, a mesma dificuldade que ele teve de não entender o Simeão e logo converte-lo em Salimo. Sim, porque se o Simeão estivesse em paz consigo mesmo, não haveria a necessidade de torna-lo Salimo.

Só uma situação de incompreensão de si mesmo, pode levar a conversão e ainda bem se ela acontece e aconteceu em Salimo.

Há-de se aferir, que este exercício, não se revela nada fácil, porque requer uma introspecção, isto é; ser observado e observador ao mesmo tempo; e que se diga, Salimo teve de o fazer para se encontrar.

Só pensando assim, pode me ajudar a entender o Salimo, porque doutra forma, vai continuar a confundir-me. E a confundir-me sobremaneira nas suas músicas, quando esconde a verdade em palavras cruzadas, tal códigos impenetráveis, como “Sambrowera Fandanga”, que reviramos todos num exercício de interpretação e nunca fomos felizes.

Sambrowera, é para mim, o pico da inspiração do Salimo Muhamad, música, onde deixou suas várias faces saírem e acima de tudo, onde libertou todo o seu “eu” trazendo-o cá para fora.

Engraçado, porque, da mesma forma que se expõe, acaba levantando um véu com recursos a palavras de difícil entendimento como o grito de início na música Sambrowera, onde diz: “cevernashe, cevernashe.”

Salimo nunca disse e nem era sua tarefa dizer o que significava “Sambrowera Fandaga” e outras palavras de difícil acesso que diz nas suas músicas, porque mesmo querendo não saberia dizer, isto porque, criados em transe e como explicar o que dissemos movidos por forças que ninguém pode compreender, como em Sambrowera?

E aqui está o forte desta música, a força que ela carrega, a mística, o ritmo carregado de convulsões que caracterizam o Salimo, o cantar como se seguisse um ritual, tal nyamussoro que encarna o espírito de outra pessoa e entra em delírios.

Sambrowera começa com um apelo aos gritos onde Salimo pede para que se abra janela “ibra janela, ibra janela”, um pedido que confunde pela sua autoridade.

Na verdade, para quem ouve, sente que não há ali nenhum apelo, senão, uma ordem. É como se estivesse sufocado e não aguentasse mais, dai que grita de dedo em riste e de olhos abertos como sabe fazer que “ibra janela”, como quem diz, se isso não acontecer não me responsabilizo pelas consequências.

Salimo tem demónios, sim, daqueles que quando exorcizado por batuques e ngomas teimam em manter-se no corpo de quem os exorciza, porque são fortes e Salimo é forte, é múltiplo, a sua temática é híbrida e foge e sempre fugirá ao entendimento do homem comum, como eu.

Ora, cansado de tanto tactear, para descobrir as palavras veladas de Salimo; tal como ele o fez um dia, procurei um curandeiro dos bons (Salimo já teve um curandeiro que o tratou para ser invisível), para me ajudar a interpretar as parábolas por si cantadas.

E fiquei toda a noite a dizer Siavuma, Siavuma, mas, verdade que é boa, não a tive e terminou o curandeiro, dizendo que o Salimo, tinha um diabo que o impedia de chegar a verdade.

Que Salimo tivesse diabos já sabia, abandonei o nyamussoro, com vontade de nuca mais ouvir suas falácias.

Quando quase desistia encontrei-me um dia com um destes meus amigos que desistiu da vida, para se dedicar somente a reflexão e depois de ouvir todos seus delírios, me segredou o inesperado: que conhece o significado da música “Sambrowera Fandanga”

Confesso que senti um frio na espinha, meu cabelo levantou e fiquei atento. Em poucas palavras traduzo o pensamento do meu amigo, e que fique claro, que apenas conto o que ele me contou, sem aumentar um ponto sequer.

Na sua óptica “Uta mulumula nwana lweyi mamanhana? wahemba” (se vais desmamar este filho? Mentira.), o filho a desmamar, é o que na altura fazia guerra. Sendo impossível desmamá-lo (derrotá-lo), justamente porque seu filho, em clara referência a guerra entre os irmãos e/ou entre pai e filho.

E dizia; é mentira que te vais livrar deste filho. Pois, nem que te arrogues (“Uli u nkondjani ya tiku mamanhane/utaya kumana ni madala wa djeke/uni matendencia mamanhana,), a andorinha que corta o pais de lés-a-lés, a sua velocidade, não seria suficiente para evitares/fugires do (madala wa djeque), entenda-se “rebeldes” que montam emboscadas em todos os cantos, pelo que deixa o orgulho de lado, e senta com esta gente e encontre a solução para o povo, daí que o “ibra janela”, para logo de seguida determinar “senta boy”.

É sim, um apelo para que os irmãos se sentem e discutam a paz, porque ninguém é veloz o suficiente como andorinha (nkondjani), para fugir das balas da guerra (madala wa djeke) e se não o fizeres “uni matendencia mamanhane”, tens tendências.
E não podia terminar de outra forma o Salimo quando pede a sua mãe Maria, para não chorar porque seu filho voltou (He mamana Maria unga rile unga rile mamani, anwana wa wena afikile la muntine….), e o questionamento seria, de onde o filho retornou? Ou melhor, para voltar. Teve um dia que partir, mas para onde?

Antes do meu amigo me responder, larguei-o, porque estava a ficar confuso como nunca fiquei com esta música.

Agora, se os meus amigos leitores quiserem saber o final que o digam, porque mesmo confuso, poderei contar.

Mas, enquanto isso, vão ouvindo Sambrowera, como o oiço e com vontade de perceber o que Salimo queria e quem sabe um dia “ibra janela” e caia a verdade?

Mas esse “baralhar do esquema”, talvez seja o objectivo de Salimo com Sambrowera, fazendo com que todos nos batamos a cabeça, sem nunca chegarmos a verdade, porque nem ele a tem. E não tem diabos esse?

Amosse Macamo
SALIMO MOHAMED: “Tive um curandeiro que me tratou para ser invisível”
SALIMO Mohamed está a preparar um espectáculo para o dia 29 deste mês, no Centro Cultural Franco-Moçambicano, com uma banda que vai levar ao palco mais de dez elementos. O saxofonista Matchoti, o trompetista Leman Pinto e as irmãs Domingas e Belita, coristas. O “show” está a ser ensaiado com muito rigor, com Salimo na batuta, dirigindo um trabalho árduo, cujo objectivo é atingir a perfeição, ou os arredores dela, para oferecer ao público um trabalho de qualidade. É um espectáculo que já tem título, “Xingove Xi Dibi Mutxovelo” (o gato despejou o caril, traduzido do changana).Será uma página importante a escrever na vida deste monumento artista, um dos incontornáveis no nosso panorama cultural. Um forte pretexto para uma entrevista com Dzudza Muzimba, como também o chamam os seus amigos mais próximos.Mas fazer uma entrevista a Salimo será o mesmo que percorrer caminhos íngremes. Uma odisseia! Porque Salimo é uma odisseia ele próprio. Tem na sua vida histórias dramáticas. Que passam por aventuras doidas, com Suazilândia e Gazankulu (RSA) incluídas. Ou seja, no percurso de Salimo há muito sofrimento, incluindo prisões e campos de reeducação. Aliás, foi durante um dos cativeiros que Simião Mazuze adopta um novo nome e ficou a chamar-se Salimo Mohamed, o que poderá equivaler a dizer que Salimo queria nascer de novo. O autor de “Bilibiza” – música feita em homenagem a um desses campos de reeducação onde esteve – entretanto, olha para trás e diz que não tem quaisquer recalques. O importante é manter a força de espírito. O passado é passado. O importante é olhar para frente. Passar por cima de todos os pedregulhos. E viver!A entrevista decorre na sala de visitas da casa de Salimo, num ambiente de quando em vez perturbado pelo retinir do telefone e da conversa fraternal entre os dois filhos de Dzudza Muzimba. Dois filhos que constituem um grande amuleto para Salimo continuar a amar a vida. Eis, a seguir, alguns extractos dessa longa conversa com o autor de “Sambrowera”, “Paz” e tantos outros bons temas musicais:

Maputo, Quarta-Feira, 13 de Junho de 2007:: Notícias

- Comecemos por “Dawula Mananga”, gravado em 1985. É um disco que vem premiar uma aventura de muito sofrimento e castigo, que inclui prisão na Suazilândia. Chambocadas pela Polícia. Medo dos boers. Mas sobretudo uma tremenda vontade de ir para frente. Quer falar um pouco sobre esta história?- Foi em 1986, em Guiyane. Faço a minha primeira gravação na Gallo. O técnico de som era um inglês e eles ficaram bastante surpreendidos com o meu desempenho. O dono dos estúdios era um inglês que, olhando para mim e escutando o que eu tocava, disse assim: “venham cá ver este indivíduo que toca ritmos diferentes!”. Eles não esperavam. O Ray Phiri andava ali assim. Foram dizer-lhe “anda cá ver um gajo que parece um Marvin Gaye”, quando Ray Phiri há dias atrás nem me ligava. Ele agora reconhece-me e nos dias em que andou por aqui nos workshps do Kapa Dêch, disse àqueles jovens de que eu era um grande músico, que sofri muito...- Então “Dawula Mananga” será, concerteza, o resultado desta odisseia...- É verdade. É o resultado dessa loucura. Sofri muito. Não sabia muito bem onde ia. Cheguei a orientar-me pelo Sol. À noite andava à toa, sem nenhuma orientação. Mas algo me dizia que iria chagar ao meu destino. É por isso que fui.- Lembra-se, a caminho de Gazankulu, daquele boer que quase lhe esmagava os testículos com as botas e a arma?- (Risos). Eu tinha sido tratado por um curandeiro para ser invisível. Um curandeiro que provou depois que era muito bom. Ele disse-me que eu ia chegar ao meu destino. Numa das etapas da minha viagem à pé, de repente apercebo-me da aproximação de um carro da Polícia. Que para muito perto do local onde eu estava escondido. Do carro desceu um boer, que se aproximou do arbusto onde estava agachado. Ficou a menos de dois metros de mim, procurando vivalma ao longe e não me viu. Eu à rasca, mas o boer não me viu. Foi algo fenomenal. Ficou um tempo interminável para ver se me via mas, nada. Voltou a entrar no carro e foi-se embora. E notei que o curandeiro e os meus defuntos estavam comigo.
Eu sonho muito!
Maputo, Quarta-Feira, 13 de Junho de 2007:: Notícias

- Chegou, gravou o disco, ficou lá um tempo e depois voltou para Moçambique, onde está até hoje...- Voltei para casa. A minha casa é aqui. Onde vivo e trabalho.- Voltou porque ama a tua terra!- Amo muito! É aqui onde está o meu sangue. O meu ritmo. Toda a minha trepidação.- Ama a sua terra mesmo depois de tudo o que lhe aconteceu, como campos de reeducação e prisões?- Isso faz parte do meu passado. Já não poderá contar na perspectiva de vida que agora levo. O importante agora é o trabalho. Acredito que um dia as pessoas vão me compreender. Eu sonho muito. Estou permanentemente a sonhar, a reflectir e a trabalhar. Esse é o meu lema.- Não guarda algumas mágoas desse passado cheiro de feridas?- Não! Tudo já passou. As feridas secaram todas. Agora o que eu quero é viver e trabalhar e amar a vida.- Amar a vida e amar estes dois filhos menores que vivem consigo, dos quais é mãe e pai ao mesmo tempo...- ... é excitante ser pai e mãe ao mesmo tempo. Estou a cria-los desde pequenos. Lavei as fraldas deles. Cozinhei e ainda cozinho para eles. Houve tempo em que tinha que os levar todos os dias à creche e depois à escola e depois ir buscá-los. Mas agora estou mais relaxado. Eles já são grandinhos e estudam na Josina Machel. Já passou o tempo de sofrimento em que os tinha que levar à cama e depois à casa de banho para fazerem xixi. Fiz papel de mãe e faço-o até hoje. Nos tempos que correm dá-se muito valor à mulher, mas devia se dar ao homem também, porque eu consegui fazer aquilo que a mãe não fez, ou que devia ter feito. - Mas este facto de ser pai e mãe ao mesmo tempo, entristece-lhe ou dá-lhe orgulho?- Por um lado dá-me orgulho porque até aqui consegui aquilo que é o trabalho de uma mãe. Por outro lado entristece-me por saber que os meus filhos não tiveram aquele amor de mãe. Ela foi-se embora e deixou-me com eles. Isso me faz triste. Mas há uma recompensa. Eles sabem auto-gerir-se. Percebem que não têm a mãe, então vivem em função disso. Têm experiência. - Eles devem ser também felizes por comer a comida feita pelo paí. E diz-se por aí que cozinha muito bem...- Tu próprio és testemunha disso. Já comeste uma boa mathapa feita por mim. Preparo-te um bom caril de amendoim, bom guisado, etc. Não tenho problemas com a cozinha.- Salimo, explique-nos bem: vai tocar no dia 29 no “Franco”, num espectáculo chamado “Xingove Xi Dibi Mutxovelo”. Todos os seus espectáculos têm nome. De onde é que vem esta motivação de nomear os “shows”?- Eu estava para ir ao Lesotho para um festival anual que se realiza naquele país. Mas esse programa que tinha sido preparado pelo falecido Zibia (que Deus o tenha), não chegou a concretizar-se. Houve vários obstáculos apresentados pelo Ministério da Educação e Cultura e pela representação sul-africana em Maputo. Estava tudo preparado mas não fui. Também porque falei muito nos jornais. O rei Mushoswe manda perguntar se eu podia cantar para ele. Era primeira vez que eu ia cantar directamente para um chefe de Estado, para um rei. Acho que ele ouviu os meus trabalhos e gostou e perguntou por quanto tempo eu podia cantar para ele. Já estava tudo definido. Mas infelizmente não pude ir ao Lesotho e a partir daí comecei a dar nome aos meus espectáculos não sei porquê. Lembro-me que o primeiro nome foi “Nguva”, depois veio “Dzumba wa Nyanwaka”, “Dzudza Muzimba”, “Dji Polokotso”, “Dzumba hi ku Phinda”, “Kanga Hanya” e tantos outros. Agora tenho o “Xingove Xi Dibi Mutxovelo”.
Estou a trabalhar com jovens à altura da minha exigência
Maputo, Quarta-Feira, 13 de Junho de 2007:: Notícias

- Sei que está a trabalhar para este espectáculo com uma banda cheia de jovens e com dois monstros nos metais e duas beldades felinas. Como é que estão a comportar-se os jovens?- Os jovens com quem estou a trabalhar são uma beleza. Estão entusiasmados em trabalhar comigo. Eles sabem que sou bastante exigente e estão à altura das minhas exigências. Com eles está garantido um bom espectáculo. São jovens que não são muito conhecidos pelos nomes, apenas serão chamados filhos do Jordão do Chamanculo. E eles vão dar que falar.- Mas o Salimo tinha uma ligação quase umbilical com o Kwamula Band (Homa Mô). Haverá um divórcio?- Eu não estou desligado do Kwamula Band. A questão é que quando a gente injecta sangue novo, é sempre sangue novo e este sangue novo é bom realmente. Costumam dizer que eu não trabalho com jovens, mas estão aí jovens que estão a trabalhar comigo. São jovens talvez mais novos que outros jovens. Eles tocam, fazem arte. Não utilizam computadores, porque os jovens que se sentem lesados são aqueles que tocam no computador.- E estes jovens conseguem trabalhar com um homem exigente como você? Acha que eles estão bem consigo, partindo do facto de que é preciso ter fibra para trabalhar consigo?- Eles antes de aceitarem este desafio sabiam como é que eu quero ver as coisas. Eles estão a comportar-se perfeitamente bem. Estão num à vontade comigo.- Seria, hoje por hoje, capaz de mandar parar o espectáculo ao aperceberes-te de que há uma fuga, uma falha?- Não, agora sou outro boi. Tenho outra experiência, outra maturidade. Consigo contornar as falhas sem que o público se aperceba. Preparem-se para desmaiar de emoção. Sou um felino de Gaza. Chamo-me Salimo Mohamed O Dzudza Muzimba sou eu, se bem que já ouviste falar deste nome. Sou eu mesmo. De corpo e alma.
As letras aparecem quando estou a trabalhar
Maputo, Quarta-Feira, 13 de Junho de 2007:: Notícias

- Voltando ainda para trás, pois a sua vida também é construída desses tempos, chegou a ter um projecto de juntar quarenta elementos no palco duma só vez, os quais incluiriam timbileiros, para um rítmico de amálgama. Como é que esse sonho ficou?- Há coisas que não dependem apenas dos nossos sonhos. É preciso muito dinheiro. Mas eu tenho fé de que ainda vou a tempo de concretizar isso. - Nas suas letras sentimos um changana típico, com letras muito “pesadas”, profundas, metafóricas, parabólicas, um changana que não teria meias medidas para dizer seja o que for, nem que seja bojarda. Será que temos razão ou não temos?- Se for para mandar uma bojarda, mando para as pessoas que eu conheço, entre amigos. Numa discussão entre amigos também posso mandar. E aqueles que me conhecem também mandam uma bojarda contra mim. Sou humano e os humanos têm as suas falhas. E quanto as letras, elas aparecem quando estou a trabalhar, letras como “tlula, tlula madaka wo rhetemuka” (risos). Isso aparece em pleno trabalho, como se fosse um demónio que nos domina e fala através de nós. - E esse demónio é muito forte, revolto como o ponto de encontro de dois oceanos...- (Risos). Sabe, há um português, o José Cid, que me disse assim: óh Mazuze, não canta em português, canta na língua do teu povo e esse demónio que eu tenho não fala português. Fala changana muito pesado.- Mas eu conheço duas ou três músicas suas em que canta em português e parece perderem um pouco de sal...- Sim tenho “A Saudade Me Mata”, “Melo Yelo” e esta de “Paz”, mas eu fervo mais em changana, minha língua materna, que também é do meu pai.- É uma pessoa intensa. Com a cabeça sempre a ferver. A que horas é que dorme, normalmente?- Eu estou sempre acordado. Estou sempre a reflectir. Não paro. - E por falar em reflexão, agora lembro-me que fez uma música em homenagem à sua mãe, Maria. Podemos voltar para esse tempo?- Foi coincidência. Falo sim senhor da Maria, não como ela, a minha mãe, mas a mãe no geral. Os filhos a que me refiro são os combatentes que tinham saído daqui de Moçambique e que agora estão de volta. Refiro-me à mãe no geral e em especial à minha mãe porque eu em encontrava em Portugal, então no meu regresso cantei isso. - Não tem saudades do Simião Mazuze?-(Risos). Eu sou tudo isso, todos esses nomes. Estou todos os dias a festejar a vida, com sonhos e trabalho!...

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

o tempo que nunca tenho

o tempo escasseia e leva com ele minutinhos de concentracao para alimentarmos este nosso bebe (blog), doi-me sempre que nao posso deixar nova materia no blog, porque agrada-me e nao imaginam o quanto escrever sobre a musica mocambicana e sentir algum retorno. ºe que esta musica, 'e em parte responsavel pelo homem que sou e nao acredito juropalav'rad'onra que seja mau homem (que o dica a INKOSSIKAZE la em casa, rs rsrs rs )...ontem a noite, estive a ouvir atentamente Joao Wate "loko ni hochile Nkata ni dzivalele", fiz um salto e lembrei-me da musica "Terezinha" de Joaquim Macuaca, "Batrige" de Jose Mucavele, e achei nas mesmas um elemento comum: homens, arrependidos, suplicando perdao as suas amadas mulheres....e lembrei-me claro dessas emencipadas Vasikates, que passam a vida a reclamar dos homens "que nao sabem reconhecer quando erram, que saio bendas porro,,,bebados, inuteis e acima de tudo insensiveis aos seus problemas.....voltando as musicas, so queria lembrar que os tres homens que fiz referencia, dois nasceram em Gaza e um em Maputo, salvo erro, isto 'e machistas pro o c.....e foram educados nunca, mas nunca a pedirem perdao a mulher e ousaram pedir em publico, concorrendo a titulo de n'kundlamas, dzanwanwas, mamparras......
voltando a questao do tempo que escasseia,., hei, como poderei pensar sem tempo, e como alimentar este bebe? arranje-se Modaskavalu.....bom este, 'e um arranjo, para que os meus amigos nao se esquecam de passar por aqui, at'e para me insultarem.......
e esta para os manos e manas
u rhandza kakata uta pfumala ni buluku/saia
unga rile nwana mamani lwey wa nuna waku biha uyo ti languela....a he uyo ti languela, a he u yo ti khetela nwana mamana "escolheste um sovina, que nao te compra nem roupa, ha nao chore minha irma,~ninguem escolheu o homem por ti.....ha ha ha ha ha palavras sabias de Mahecuane, o dono da musica que ºe titulo deste projecto de Blog"Modaskavalu, marrabenta......

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

e esta?

Loko se anio swi tiva tolo, anga nio rhandza shi khangalafula sha wansati
ati penda penda ati penda penda, ingaku yi galagala, aswi khosha swa mina swa mutchava: hi lowu hawu mupfana ndzuwena.....Alexandre Langa (se soubesse (tivesse adivinhado), casava-me com qualquer mulher....esta minha que a sua pintura ate se confunde com gala gala (pintura da mulher com quem se casou), ate os meus pais sentem medo, nao fossem minhas manias de arranjar uma "freak", ha ha ha ha eu diria, medico cura-te a ti proprio, quando namoravas ou Alexandre, nao vias que a sua menina se pintava? vais, agora reclamar porque os teus pais nao aprovam? malandro a mulher ºe sua e arranje-se. ha ha ha ha ha bom fim de semana a todos e aroveitei recordar aqui, o Alexandre Langa, um homem que escreveu com a sua musica, o pulsar social deste pais e que sera, materia da proxima postagem aqui no Modaskavalu, marrebenta.....
P.S. e porque estamos em mes de nao violencia contra a mulher, porque nao recordar uma outra musica deste grande homem, utai vona yaku tsama u bukuteliwa hi ku rhandza shiguevenga/tinkamula ta madjaha tinga tala le ndhaveni, uyua rhandza
magupela, como quem diz"com tantos rapazes cheios de boas intencoes em Ndaveni (terra natal de Alexandre, Gaza), foste casar com um louco que passa a vida a dar-te porrada...um amigo a brincar dizia, que o principal problema das mulheres, ºe quererem escolher o homem que elas querem, no lugar de prestar atencao nos homens que de facto estao interessados nelas.....nao sou eu que estou a dizer isso.
Moçambique: arqueologia musical
Emerson Santiago Emerson Santiago, Moçambique, Música, TO NEM AÍ Quinta-feira, 05 Junho 2008
TÔ NEM AÍ, por Emerson Santiago
Tratar de lusofonia sem abordar assuntos relacionados a Brasil ou Portugal. Será que consigo?
Dos países de língua portuguesa, Moçambique é aquele com a maior herança musical registrada. Saiba por quê
O ano é 1930. Os efeitos da quebra da bolsa de Nova Iorque logo ecoariam em todo globo, trazendo uma década inteira de retração econômica. Num cenário assim, você, caro leitor, deve achar improvável haver uma mente sã desejando investir na acanhada, pachorrenta e subdesenvolvida colônia portuguesa de Moçambique. E, pior, num setor secundário como o do entretenimento, em particular o do mercado musical. Pois não é que havia gente disposta a isso?
Apesar da incrível e notória musicalidade de todos os povos do continente africano, não encontro até hoje uma só alma que creia que na Moçambique dessa época haviam artistas gravando e vendendo discos com uma facilidade impressionante até para países do chamado “primeiro mundo”. E mais, a produção musical moçambicana foi de tal maneira diversa e extensiva que temos o privilégio de dispor, hoje, da cultura musical deste país em sua totalidade, desde as mais tradicionais peças folclóricas até os sucessos populares das décadas passadas, coisa que definitivamente não aconteceu com Brasil ou Portugal.
Dos territórios de língua portuguesa, Moçambique foi o quarto a ter gravações regulares de artistas locais, sendo o primeiro Portugal (1900), seguido de Brasil (1902) e Goa (1910).
Para quem tem menos de 30 anos é importante fazer um parênteses. Vivíamos a época dos fonógrafos, aqueles enormes, caros e pesados aparelhos que davam a opção ao consumidor de ouvir música quando esta não era disponível ao vivo. Os menores aparelhos eram do tamanho de dois ou três CPUs de computadores e os maiores eram embutidos em móveis de madeira de lei trabalhada, coisa fina, do tamanho de dois ou três fogões atuais. Na compra desses trambolhos, o cliente recebia dois ou três discos de graça para ouvir no brinquedo novo.
Os discos eram os velhos e pesados 78 rotações, resistentes como a casca de um ovo. Armazenavam cerca de 3 minutos de música em cada face. O rádio era uma novidade ainda maior. Funcionava como hoje funciona a TV a cabo nos lares modernos, onde você paga para assistir canais de TV; não haviam comerciais, tampouco patrocinadores ainda.
É nesse cenário improvável que teremos as primeiras gravações de música moçambicana. A responsável pela empreitada é uma velha conhecida dos brasileiros: a gravadora Odeon. Alemã de nascimento, já naquela altura, devido à quebra da bolsa de 29, juntou-se às suas concorrentes diretas (Columbia, Pathé, Gramophone Company e outras empresas menores) e formou a EMI (sigla de Indústrias Elétricas e Musicais, em inglês), trabalhando porém, com relativa independência operacional. Não entenda-se com isso que não havia comércio musical antes. O que acontecia era que o mercado era exclusivamente direcionado a estrangeiros.
Havia música indiana,portuguesa e árabe disponível em disco. Faltava o repertório local. Como em praticamente todos os outros ramos da economia moçambicana da época, os portugueses entregaram de bandeja o comércio musical na mão dessa multinacional recém formada, a EMI. Não haviam gravadoras, nem engenheiros de som, nem técnicos,nem agentes portugueses. Os responsáveis pela difusão musical de Moçambique são os ingleses e alemães, que vinham numa crescente, expandindo e explorando novos mercados. Foi uma simples questão de avançar mais e mais pela costa oriental da África já que os mercados de Quênia e Tanzânia haviam se mostrado verdadeiras minas de ouro.
As primeiras gravações foram realizadas em Lourenço Marques (nome colonial de Maputo, a capital) e em Beira. Lá, uma variedade imensa de artistas locais fizeram gravações, em especial grupos de marimba, corais, solos de mbira (piano de polegar), guitarristas, entre outros. Infelizmente, ao mesmo tempo em que os povos africanos são ávidos consumidores de música, também descartam sua memória com imensa facilidade. Encontrar maiores dados, detalhes e fotos desses artistas pioneiros é uma missão praticamente impossível.
Paul Vernon, um dedicado estudioso desta nascedoura indústria musical reporta um registro de um funcionário de uma concorrente da época, relatando as atividades da rival Odeon em Moçambique. Registra esse funcionário que a companhia atendia a demandas cada vez mais crescentes dos revendedores em território moçambicano, demonstrando o imenso sucesso das gravações com artistas locais. Reporta ainda que o poder aquisitivo dos moçambicanos da época andava em alta, pois muitos trabalhavam nas minas de ouro de Joanesburgo, na vizinha África do Sul, e com seu salário consumiam a música recém introduzida em disco em grande quantidade.
Após a hegemonia inicial da Odeon, quem iria dominar o cenário musical do país nas décadas de 40 e 50 seriam os sul-africanos, em especial Eric Gallo, por meio de selos como Gallotone, Jive, Singer, e mais outras empresas menores, como a Tropik, Hit, Troubadour.
É importante ainda notar que essas primeiras gravações coincidiram com um período interessantíssimo da música de todo o continente africano, o chamado “hibridismo”, ou seja, a gradual assimilação pelos povos africanos de ritmos, noções e instrumentos musicais vindos da Europa e América. De instrumentos musicais, destaco a incorporação da bateria, do piano e do violão. O violão, por exemplo, tem papel importante na música africana no século XX. Este incorporou uma linguagem completamente nova nas mãos do negro africano das mais remotas localidades. Há ainda hoje literalmente centenas de estilos diferentes de toques de violão e guitarra em toda a África. Em Moçambique desde sempre os guitarristas da etnia changane são os mais conhecidos. Cito como exemplo Pedro Matabela, Aurélio Kowano, Filipe Sithole e Feliciano Gomes, todos ativos nas décadas de 40 e 50, deixando um sólido repertório gravado.
Aliás, é destes mesmos guitarristas changane o cultivo da “marrabenta”, tida por muitos como um ritmo moçambicano nacional, como o samba no Brasil. Tal confusão surgiu dentro da comunidade portuguesa residente na então Lourenço Marques. Na verdade, a marrabenta é o nome do toque particular destes mesmos guitarristas.
Fora os instrumentos, os africanos tomaram gradual consciência (via discos e rádio) da imensa herança africana criada nas Américas. Deu-se então a fusão de ritmos locais africanos com o jazz, o choro, o samba, a rumba, o mambo, o blues, a salsa, o merengue. Os moçambicanos foram também realizando esse processo de incorporação, conscientemente ou não, em sua música, tendo como influências principais os ritmos brasileiros e norte-americanos.
Para terminar, é importante salientar um detalhe que foge ao olhar do expectador estrangeiro. Não espere encontrar música moçambicana popular composta em português. A música moçambicana foi amplamente documentada, e praticamente todo idioma de importância primária ou secundária teve alguma gravação logo de início. Desde o suaíle no extremo norte ao ronga, no sul, todas as línguas estão devidamente representadas. Mas ainda estou por descobrir algum antigo artista que tenha gravado alguma canção em língua portuguesa, apesar dos nomes dos artistas serem muitas vezes bem lusitanos.
Para ouvir: CD “Forgotten Guitars from Mozambique” - selo Sharp Wood - traz gravações de guitarristas moçambicanos de fins da década de 50.
Emerson Santiago é brasileiro, advogado e professor de inglês. Lusófono declarado, ele é o mais novo colaborador do blog Descobri a Pólvora! e da Revista O Patifúndio.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Magilidana

Magilidana; um lindo poema de amor
Impossível descrever o Eugénio Mucavel sem os “olhos-de-ver-poesia”, porque este, imprimia poesia pura na sua música.
E como se sabe, tudo num poema, inclusive suas omissões, é significativo. E é esta significado, que me fez entrar na poesia do Eugénio Mucavel, fruto do seu ser social e acima de tudo, de relacionamentos mal conseguidos no campo amoroso.
Mas, o exemplo de hoje, embora aponte nesse sentido, tem seu quê de ganho, pois, a “Magilidana” que inspirou a música de que vou falar, não é aquela, que ele canta e lamentando-se numa outra música que” Niku kumile ussiwanine nawu shavissa matoritori, kambe nhamuntlha, wa ni shanissa” (“tirei-te da pobreza, vendendo doces de coco, mas hoje, me fazes sofrer”), esta, teve um final feliz, embora o começo tenha sido doloroso, como afinal, é sempre doloroso, o caminho da verdade.
Na verdade, a Magilidana foi a mulher da vida do Eugénio Mucavel, dai que na música ela é destacada desde o início, como aquela mulher que o homem olha e diz “é ela”, como que dirigido por um sino interno que toca na hora certa.
Interpretando a música Magilidana, percebe-se que esta mulher, não teria que passar por momentos de dúvida porque passam as mulheres com é caso de procurar saber quais as reais intenções do homem que a corteja, porque Joaquim sabia de antemão, afiançava e deixava transparecer que a queria casar (Migilidana, unhimela yini ndlovi yawu kati?)
Magilidana é a escolhida e elevada ao lugar de mulher para o seu lar, porque conhecia lá no fundo que a amava mesmo antes de a ter. Reparem, não havia platonismo algum no seu sentimento, porque sempre quis concretizar este amor que só teimava em não acontecer porque a Magilidana não cedia, e quando parecia ceder, se mostrava hesitante, daí que questiona “Magilida, unhimela yini ndlovi yawu kati?”, de que esperas Magilidana, mulher do meu lar?
Eugenio avançou sinal como que seguindo uma receita que o seu coração traçou, daí que, mesmo esperando em encontros mal sucedidos, mesmo que picado por mosquitos, ser interpelado pela Polícia, sofrer o aperto de sapatos, (uni maricarissa encontro nozhe ni watchissa ni mapassi/lumiwa hi ti nsuna/manhiwa hi swifambu.), não desistiu porque seu amor era puro.
Mas se a indecisão de Magilidana o incomodava, também incomodava as histórias que ela contava para justificar as faltas ao encontro, (hi mafenha Magilidana nldovi), e o irritava o facto dela não conseguia enxergar o óbvio: um verdadeiro amor a sua frente.
Mas o sublimes desta poesia, está no sonho que o Eugenio teve com a Magilidana, um sonho puro, inocente, imaculado e carregado de simbolismo.
Conta no seu sonho que “siku dzimbeni nkata, nilozi nanina wene, nahi lhalela maphapharhati, loko nhanwa/mpswonwsa swiluva/hambe no tsaka kaya kwanga ku kiyela ndlovi yawu kati hi mafenha Magilidana mine”
Esta mulher com que ele sonha, não é a que esfola seu corpo nu em vídeos clipes dzucuteiros e pandzeiros, não é objecto de todos reducionismos, não é a mulher objecto na música, mas sim objecto da música, é a mulher que inspira e veste a música do belo e não a despida na música, não é a mulher do imediatismo de uma noite de “dou-te com camisa dou-te”, não é a retratada por miúdos que mal conhecem uma mulher, mas acham que já a podem cantar, é sim, a mulher do lar, é a mulher habitando o papel das possibilidades infinitas.
Daí que quando podia dizer explicitamente que sonhou com esta mulher a fazer amor, prefere vestir as palavras dum véu dizendo ..” nahi lhalela maphapharhati, loko ma nhanwa/mapswonwsa swiluva.”(assistindo borboletas sugando o néctar das flores)
Equipara o Eugénio, não só a beleza das borboletas ao seu amor, como as asas destas cobertas com um pólen que representa a fecundação, logo o acto sexual. Na verdade, é este, um golpe de palavras na navegação poética, isto porque, esta mulher, antes de ser a mulher que ele gosta, reflecte o corpo e figura materna e se, não se pode maltratar uma mãe, logo, também não se maltrata a qualquer outra mulher.
A referência swiluva (flores), e se tivermos em conta que estas podem representar a parte mais fina e melhor de uma substância, ganha aqui vida quando comparado a beleza da mulher que ama (Magilidana), e para além de que, esta pode representar a reprodução e justamente o que o Eugénio pretende: esposa e logo, mãe de seus filhos.
Dai o respeito para com as mulheres porque seu corpo é aquele templo, onde rezamos em silêncio e que se diga, nessa hora o tempo pára.
Se o tempo é zero, tal significa que é a hora de intervenção dos deuses, é a hora da mulher, este Deus que não se percebe e por isso mesmo Deus.
E aí está: o Mucavel, é este ateu, que lutou para descobrir a primeira missa e encarar de caras este Deus imprescritível, não só para ver a cara dela, mas para conhecer e conviver todos os dias, formando um lar, dai que afirma que a sua felicidade não é plena sem a mulher da sua vida (hambe no tsaka kaya kwanga ku kiyela ndlovi yawu kati hi mafenha Magilidana mine.)
E prova disto é que a música, é feita depois de Magilidana ter se casado com o Eugenio. E isto de cantar a nossa própria mulher diz muito ou não?
Podia mais borboletear com Magilidana, mas hoje fico por aqui, analisando no silêncio colorido das minhas borboletas da mente, este lindo poema de amor chamado Magilidana de Eugénio Mucavele.
Amosse Macamo

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Joaquim Macuacua e as mulheres bonitas

Joaquim Macuácua: o inconformado


Cresci a ouvir histórias fantásticas que me eram legadas pelos meus avôs, desde o Xitukulumukhumba, Guiguisseka, dos mineiros na terra do rand etc. Estas histórias, para além de povoar o meu imaginário obrigavam que no fim tirasse sempre uma ilação: o que tinha aprendido delas.

Eram estas histórias que nos emancipavam, que nos faziam transitar de criança, para adolescente e desta para adulto, isto porque, quanto melhor compreensão das mensagens por detrás; estava garantido a transição de uma fase para a outra.
Ora, se por um lado, estas histórias eram o termómetro que media a nossa capacidade de avaliar, por outro, mesmo que não nos pronunciássemos no final delas, por dentro, fervilhávamos com a nossa verdade inventada, com o subjectivismo que elas nos remetiam, o fantástico, a aventura, a inevitável fuga, o maravilhoso...era lindo.

Mas, o mais importante destas histórias é que com elas sempre se aprendia, mesmo que despercebido, porque era normal ouvir uma história aparentemente sem interesse, para no dia seguinte acontecer algo que nos remetesse a ela e em muitas situações era inevitável o arrependimento.

Mas é já na idade adulta, depois de cometidos todos os erros, que as histórias contadas na infância voltam em catadupas, obrigando-nos a confrontá-las, porque fugir, não mais adianta. É nesta idade, que dizemos a nós que se pudéssemos recuar o tempo, faríamos tudo como nos foi dito pelos mais velhos, porque experimentados, logo; conhecedores da verdade.

Hoje, proponho-me a abordar uma música que, embora carregada de deliberado extremismo que sempre caracterizou o seu autor, remete-nos, para este mundo que acima referenciei, falo da música “male yo luza” (dinheiro perdido), de Joaquim Macuácua.
Nos ditos dos mais velhos, é opinião assente que as mulheres bonitas têm sempre um defeito, como quem diz, “não há bela sem senão.”

O Joaquim Macuácua, antes de se casar com uma mulher bonita, certamente que desmentia esta teoria, contudo, o casamento e com uma mulher bonita o fez acreditar nesta teoria e não só, pareceu-me com esta música, que passou a ter grande pavor delas.

Mas entremos em análise, ainda que sucinta da letra:
Começa o Macuácua, dando a mão à palmatória no sentido de que se tivesse atendido a voz da razão (dos mais velhos), não teria caído num erro grosseiro em algo que lhe foi ensinado nos contos (A minkaringana va nga hi bulela va khale/impfa ihi nhika u sima…)

Como um escorpião que pica sempre no final, Macuácua, com esta introdução, evitava, que os mais velhos o dissessem, “nós avisamos”, daí que, tomando a dianteira já se auto condena.
Diz ele que os mais velhos o ensinaram a não brincar com dinheiro (a va khale va ni gwelile va ku unga tlangui hi male/a va khale va ni gwelile swaku sati waku sasseka wa loya) e mais, que mulher bonita é feiticeira.

Joaquim, deliberadamente, estabelece um paralelismo entre o valor do dinheiro e da mulher bonita, onde em última ratio, mostra que o seu dinheiro ganha.
Ganha, em o ter gasto a casar uma mulher bonita, pois, se soubesse que aquela seria a confirmação da tese dos mais velhos, a beleza não seria o atributo de escolha, daí que entre choros e lamúrias diz (ó male ya mina, juro ninga tlanga hi yona chissa!.), “oh meu dinheiro jogado fora.”

Seu dinheiro ganha tal valor que reduz a mulher bonita a uma mercadoria defeituosa, onde não lamenta a experiência mal sucedida de construir um lar, mas sim, o facto de ter jogado fora seu dinheiro, na convicção de casar uma mulher, afinal (nyia teka xiphunta mina), “fui levar uma louca”.

Na verdade, diz o Joaquim que vakokwane vani gwelile ku nsati wa ku sasseka wa loya/loku a nga loyi i gueleguele/loko anga guelezi i lolo/loko anga loloti wa yiva/loko anga yive wa mbwambua/loku anga mbwambwati ani futa he/loko angana futa ixidakwa xissa /ho mali ya mina, juro ninga tlanga hi yona leyi, o que traduzido diz; “os mais velhos me disseram que mulher bonita é feiticeira, se não é feiticeira é prostituta, senão for prostituta é preguiçosa, e se não é preguiçosa é ladra, se não é ladra tem desprezo e se não tem desprezo é porca, se não for porca decerto é bêbada; oh meu parco dinheiro jogado fora”.

Ora, face a este defeitos arrolados questionar-se-ia e é justo; o que sobra da virtude?

Esta mulher é tão péssima que até quando cozinha, tal comida, é intragável e quando o Joaquim a pede para comer, o indica a comida com o pé (loko asweka swakudla swo tlala a maha hikuni shungueta hi nengue).

Mas será esta a imagem de fundo que o Joaquim queria deixar? Era sua intenção reduzir a mulher bonita a nada? E será que o seu dinheiro vale mais que a tentativa de constituir família?

Penso que não. Na verdade Joaquim Macuácua, no estilo que lhe é característico, quis desmistificar a mulher bonita, para que não caia no convencimento de que pode tudo, só porque é bonita.

As mulheres que se acham bonitas sofrem de um complexo de superioridade tal que desprezam as que acham feias, na verdade, tem usado a beleza como único requisito para que sejam aceites socialmente (como se a beleza exterior fosse tudo), desprezam os seus companheiros, porque no seu dizer, “atrás de si, existem dez homens que querem estar comigo”, muitas destas desistem da escola porque alguém as convenceu que são bonitas, portanto, um sem número de situações que poderia relatar, que criam nestas, uma falsa representação da verdade e a pergunta: O que dizer de quem não vive a verdade?

E é lógico que não concordo com a tese dos mais velhos, mas, em algumas ocasiões, quando vejo mulheres que só colocam a questão da beleza como única forma de suprir as suas enormes faltas, tendo a inclinar-me.

Uma outra visão desta mesma música é a de que o Joaquim amou tanto uma mulher bonita e que deve no seu imaginário, tal como nos Minkaringanas, ter imprimido uma fuga no sentido de mulher ideal, que não encontrou na vida real e daí o inevitável desgosto.

De todas as formas, o Joaquim, com este exercício, espevita as mulheres bonitas e as despe das suas manias de grandeza, pondo-as no mesmo pé de igualdade com qualquer mulher, porque no fundo ele acredita que a verdadeira beleza de uma mulher é interior.
Amosse Macamo

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Há ou não conflito de gerações na música moçambicana?

Diz-se, que um especialista, falando para o seu auditório numa palestra, começou citando, as seguintes frases:
1.“Nossa juventude adora o luxo, é mal-educada, caçoa da autoridade e não tem o menor respeito pelos mais velhos. Nossos filhos hoje são verdadeiros tiranos. Eles não se levantam quando uma pessoa idosa entra, respondem a seus pais e são simplesmente maus.”
2.“Não tenho mais nenhuma esperança no futuro do nosso país se a juventude de hoje tomar o poder amanhã, porque essa juventude é insuportável, desenfreada, simplesmente horrível.”
3.“Nosso mundo atingiu seu ponto crítico. Os filhos não ouvem mais seus pais. O fim do mundo não pode estar muito longe.”
4.”Esta juventude está estragada até o fundo do coração. Os jovens são malfeitores e preguiçosos. Eles jamais serão como a juventude de antigamente. A juventude de hoje não será capaz de manter a nossa cultura.”
Imagine o amigo leitor, o sentimento de aprovação e consequente aceitação destes factos por parte da plateia, que o ovacionou e de pé durante largos minutos.
Na verdade, este, era o efeito que o especialista pretendia, pois, logo à seguir revelou, a origem de cada pensamento enunciado e dizia que:
O primeiro é de Sócrates que viveu a (470-399 a.C), o segundo de Hesíodo (720 a.C.), o terceiro de um Sacerdote do ano 2000 a.C e o último, achava-se inscrito num vaso de argila descoberto nas ruínas de Babilónia que continha mais de 4000 anos de existência.
O texto acima corre na Internet e auxiliei-me dele, para sustentar a minha posição, sobre o conflito de gerações entre os fazedores do pandza e Dzukuta e os da “velha guarda”
Não podemos ter o receio de afirmar que está instalado a crise e consequentemente o conflito de gerações entre os fazedores de música moçambicana, pois, os conflitos, sucedem quando as gerações diferentes, têm visões de mundo distintos e isto é natural, negá-lo, não passa de pura hipocrisia senão vejamos:
Do sentimento dos mais novos
Os mais novos actores da música, não se identificam com nenhum dos antigos. Na verdade, para além do medo que têm de ficarem como eles (todos pobres ou empobrecidos), sentem que a maioria destes são ingénuos e ultrapassados, porque, na sua maneira de ver, falta alguma garra neles e ou algum sentido de oportunidade.
Do sentimento dos mais velhos
Os mais velhos, acham que os jovens simbolizam tudo que é de errado na música, e acham estes, que não é pelo facto dos mesmos venderem, controlarem a mídia e as grandes empresas que faze deles grandes músicos, pois, para estes, o que a juventude faz e ajudado por estas empresas, é promover a promiscuidade, fazendo tudo, menos música.
Da questão da mudança
É bem verdade, que quanto mais a idade avança, mais difícil torna-se a mudança, porque os hábitos estão enraizados, seria todo descabido, obrigar em nome da mudança o José Mucavele por exemplo, hoje, a fazer Pandza ou Dzukuta, porque além de não aprovar o mesmo estilo, está habituado ao seu, aliás, era normal que os jovens o seguissem e não ele a estes.
Os jovens, por sua vez, têm uma grande capacidade e apetência de assimilar o novo rapidamente, e é aí, onde nasce o conceito de que os mais velhos são ultrapassados, pois, é como sustentava o outro no debate recentemente promovido, que “eu não tenho linha; na verdade, se me apetecer tocar Rock toco, se pandza, Dzukuta ou Marrabenta, não me importo. É só imaginar isto a ser dito por um José Mucavele, ou então imaginar, o que ele pensa de quem age assim.
Do que os músicos não devem ter medo de dizer
Não devem os mais velhos ter receio de dizer que não gostam do que os mais novos fazem. Não devem ter receio de dizer que admiram a parte do marketing por exemplo que é feito pelos jovens porque é forte. Que admiram a capacidade de alguns em investirem na qualidade dos vídeos, mas não alinham com a sua orientação musical, pois, dizer e defender o contrário não passe de hipocrisia.
Os jovens devem dizer e claramente, quais os seus medos, porque, fingir que gostam das músicas dos mais velhos enquanto não, é hipocrisia, mas também fingir não gostar, para meia volta fazerem versões que muitas vezes distorcem a música e causam arrepios ao ouvido, não passa também de grande hipocrisia.
Não se pode negar a diferença, porque parecendo que não, o reconhecimento desta, é primeiro passo, para agregar ideias e avançar em bom sentido.
Das intenções dos mais velhos
Os músicos mais velhos acreditam que com a sua experiência, com o acumular de idade, devem poupar os mais novos de experiências más que eles já experimentaram. Contudo, esquecem estes, que aprenderam fazendo e neste momento, certo ou errado os jovens estão a fazer.
Defendem estes que os jovens não os ouvem, contudo, penso que, mesmo que os jovens os ouvissem, nada lhes vais impedir de fazer questionamentos e tentar seguir por seus próprios caminhos, é a tendência natural da coisa, não a podemos evitar. há que intervir sim, mas sem sufocar.
Onde todos falham
Ninguém aqui dá tréguas ao outro. Há uma tendência exacerbada de cada actor, exaltar o seu ego e que se diga, não há lugar onde o ego mais se exalta que nos artistas. Os mais novos não cedem e pior os mais velhos; estamos na presença de extremos e quão difícil é lhe dar com os extremos.
Todos acreditam que podem viver sem precisar dos outros, e pior: que existe dentro da mesma classe, os primeiros entre os iguais. Na verdade, quem faz ou devia fazer a classificação de quem é bom ou mau músico não deveriam ser os próprios músicos.
Se não for a sociedade que com o seu ouvido vai seleccionando o que é bom ou mau, deve ser algum outro organismo e não de músico para músico, se bem que a opinião de um, é preponderante para o outro, daí a ideia da associação, pelo que não é de bom alvitre, um músico, aparecer em praça pública e munido de todas as zangas a classificar os outros, sem mais nem menos.
Penso que não compete ao Wazimbo como músico e/ou Zico, por exemplo, dizer em público quem ele considera ou não músico, ou quem imprime ou não maior qualidade nas suas músicas.
O que preocupa
Preocupa-me a questão de, em algumas cerimónias de cunho e carácter de Estado, se chame para cantar alguns produtos inacabados e precoces que pululam na nossa “indústria discográfica”, não faz muito sentido, que o Estado critique a temática das músicas de Zico e meia volta, use o mesmo como chamariz dos seus programas sociais. Não será esta, uma forma de legitimar o mal? Ou então; uma antítese a própria tese do que o Estado defende?
Não seria aqui, e porque o Estado não pode mandar nos gostos dos seus cidadãos que deveria educar para a adesão a “moçambicanidade”, chamando um Wazimbo ou Salimo Muhamad? Estará a cultura moçambicana expressa nas mini saias e cuecas dos rabos escuros, claros e clareados dos vídeos moçambicanos todos eles feitos juntos as piscinas, em iates, nas inacessíveis mansões da zona de Caracol e companhia?
Que as maiorias reneguem os músicos da velha guarda, aliás, em casos como este, não preocupa a maioria, porque existem por exemplo maiorias loucas, na verdade, nem tudo que é aceite pela maioria, é o politicamente correcto, é só lembrar que vezes houve em que a maioria decidiu fazer justiça pelas próprias mãos!
A mim, me preocupa, que em alguns eventos com carácter e cunho de Estado, se convide por exemplo um Robson, que de músico nada têm e o desafio a provar. Reparem, nada tenho contra este cidadão (que é um entertainer), se bem que gosto de muitos músicos brasileiros como Tim Maia, Ed Motta, Ney Matogrosso, o Djavan, Caetano Veloso e outros. Aceitaria que em eventos de Estado se chamasse um de calibre destes, porque seria como que puxar pelo músico moçambicano, de outra forma não passa da negação dos valores que o Estado diz defender.
Ou então envergonha ao próprio Estado o Filipe Nhatsavele que vai vestir a sapatilha do Moçambicano profundo contra os seus protegidos, que se orgulham em canal nacional, ante o cidadão que mal come e veste de vestirem Armanis, Guccis e companhia?
Infelizmente, não se pode impor que algumas empresas prefiram um músico no lugar do outro, porque seguidores do que o mercado consome e interessados somente em vender seus produtos, mas, o mesmo, já não faz sentido em algumas empresas intervencionadas por dinheiro público, como o Canal Oficial (TVM), que passe a vida a baldar os bons fazedores da música moçambicana. Se a TVM está preocupada com a concorrência, que implemente e já o seu canal comercial, onde poderá desfilar e num à vontade toda a promiscuidade.
Cito de memória um ministro brasileiro, que coincidentemente esteve em Moçambique, enquanto corria o espectáculo de um artista brasileiro e que, teria dito ou insinuado, que no lugar daqueles poderia se ter chamado outros e citou alguns.
Os que o Ministro citou, entendia, que são os que se identificam com o mosaico que é a cultura brasileira, são os que considerava reais Embaixadores da sua música, muitos, que têm as vozes castradas, pela fome da indústria de lucro. E porquê os ministros moçambicanos não fazem o mesmo? Acreditem, se fosse um alto dignatário, levaria comigo o Hortêncio, Cabaço; José, Mingas, Elsa, Isaú, Madala, Zena...
A mim preocupa-me quando os alguns músicos, negam o termo velha guarda, quando este significa um certo privilégio, pois, sinónimo de mais experimentado, mais antigo, veterano e me questiono haverá igualdade, senão em profissão entre o Dilon Njigi e Zico por exemplo? onde choca o termo velha guarda?
Também me preocupa, que alguns jovens, que assumiram a música numa visão empresarial (o que é de louvar), esvaziem o seu carácter de arte, em nome da mesma visão, e alguns dirão: mas se podem enriquecer, porquê não criar riqueza?.
Mas qual a solução?
Em todo mundo, a sociedade, é que inventa soluções para este conflito, porque mesmo não gostando por exemplo da geração pandza, nunca vou defender a sua extinção, vou evitá-la simplesmente e se um dia minha mulher, filha, e ou afim o preferirem vou respeitar, em nome da tolerância, aliás, da mesma forma que tolero vários Robsons por aí.
Na verdade, estes jovens, ajudam a entreter os nossos filhos e são de certa forma um contributo, para que os mesmos não se desviem e enveredem pelo ilícito.
Penso também que pode haver uma trégua entre os fazedores de um e outro estilo de música, o Tio Wazi e So What, deram nos algum exemplo, aliás, esta, é uma oportunidade soberana dos da velha guarda, de leve, introduzirem o seu conceito do que seja música aos mais novos.
Há pouco, assistimos a um casamento entre jovens e a velha guarda, que foi o projecto Mabulu, e o resultado foi o que todos assistimos: um boom de se tirar o chapéu, pela qualidade que imprimiu e pelo naipe de músicos que conseguiu aglutinar, mostrando que é possível este casamento e com qualidade.
Não me parece correcto que os mais velhos, não saibam interpretar os sinais da juventude, quando eles também já foram jovens e talvez, mais rebeldes e ousados que estes jovens de hoje, pelo que, quem se deve mostrar aberto ao diálogo, deviam ser os mais velhos.
Deviam os mais velhos aproveitar dos mais novos a visão empresarial que já demonstraram dominar e parar com a mania de não se quererem misturar, porque, mesmo na música com carácter de arte que eles fazem, precisam de algo que sustente esta mesma arte: o dinheiro. E para fazer dinheiro é necessário, um forte marketing e qualidade nos vídeos, os jovens já demostraram saber fazer e mesmo na música que estes fazem, é preciso, separar o trigo do joio, porque há outras com qualidade invejável.
Qualquer, que se sentir músico, deve ir a Associação e este, o receber de braços abertos, porque sua casa, deixando assim, os músicos, que sejam os organismos competentes, e a sociedade, a classificar o que seja ou não música.
Devem, tanto os mais velhos, como os mais novos, potenciarem-se, no sentido de acrescentar, onde se mostre que falta em cada um.
Ao músico a tarefa de fazer música e aos críticos de criticarem. Ficar a discutir se há ou não conflito entre a nova e velha geração e fingir não existir problemas quando existem é hipocrisia, porque especialistas de renome, acreditam que os “choques entre gerações sempre, vão existir, mesmo que mudem os motivos que os provoquem, uma vez que o que está por trás de qualquer conflito, é a luta pelo poder”, ou não?
Amosse Macamo

terça-feira, 7 de outubro de 2008

ubiwilitolo

Ubiwilitolo (será que foste repreendido?)

É facto que a critica social tem alicerces na ideia do melhor. Parte-se sempre, do ponto de vista de que os factos não correm em conformidade, daí a necessidade de nos posicionarmos de forma neutra e num plano superior, analisar a situação na profundidade.
A crítica quando colhe consenso ajuda a criar a consciência colectiva e logicamente que numa sociedade em constante derrapagem de valores, esta, é fundamental.
O grupo Ghorwane é um grupo calejado em matéria de crítica social, as suas músicas reflectem o quotidiano, questionando-o, problematizando-o e propondo, soluções específicas.
São exemplos desde Majurragenta as músicas Akuhanha, Terehumba, Mavabwyi, Muthimba, Sathane, Massotcha e mamba ya malepfu, no Kudumba, até ao Vana Va Ndota com músicas como Xitchukete, Tlhanga, Livengo e outras. Mas o foco hoje é a música “ubiwilitolo” do álbum “Vana Va Ndota.”
A música em realce, é uma verdadeira “música de protesto”, que descorda por completo com a situação que hoje se vive, onde e coloca o seguinte questionamento: “será que foste repreendido (educado)”?
Quem escuta o primeiro trecho da música e sei que este facto foi propositado, concorda plenamente que os miúdos de hoje tem a pouca vergonha de perseguir as mulheres dos outros. (a va fana mina, vama siku lawa vani ntungu wo biha wa tku tlovela va sati va vhanu).
A primeira colocação que o Chitsondzo faz é a de os miúdos (rapazes), metem-se com mulheres dos outros, e esta, não é senão, uma mania generalizada, ou de uma moda se assim o quisermos, em que os jovens, apostam, entre eles, em como vão conseguir os seus intentos.
Não há pois, o mínimo ético nesta relação, senão, o simples desejo de tomar o que não lhe pertence. A mulher do outro é vista como um trofeu a ganhar e quando se trata de ganhar um trofeu, não se mede e os jovens não têm medido.
Ouvindo-se o primeiro trecho, há unanimidade, em dizer que “este Chitsondzo, sabe o que diz e temos de facto, combater este mal”, só que; o presente que o Chitsondzo dá e propositadamente, é envenenado, na medidade em que faz logo uma viragem, para incluir todos no mesmo esquema, desde senhoras, velhos, velhas, senhores e meninas.
De facto, esta mania, não é exclusiva dos rapazes, diz Chitsondzo, pois, as meninas também, (a tintombi natona ati Sali ndzaku, tini ntungu ho biha lowu, waku tolovela vanuna va vanu) tem o mau hábito (mania) de se meterem com os maridos das outras, e idem na colocação, porque aqui, existem aquelas que somente tiram gozo da situação, quando efectivamente o homem é casado e quando não, não desperta nelas nenhuma atenção.
E seria estranho isto, aliás, há tempos, os homens, faziam questão de esconder a aliança, quando ensaiavam uma fuga, mas, de tempos para cá, a situação muda completamente, pois, as mulheres, tem a lição de que homem casado, sabe tratar e se tem dinheiro para sustentar um lar, deve ter para outros gastos, e logo vira alvo.
Infelizmente é a sociedade em que vivemos, onde já não se transmitem valores, já não se passa testemunhos, isto porque todos e cada um pensa que é conhecedor de tudo, quando de nada.
As forças de pensamento se calam, os pais se escondem, os que teimam em gritar no deserto, são premiados por AVC´s precoces e claro, há aqui, uma tendência de querer viver a vida intensamente, mesmo que para tal signifique matar Deus e/ou algum outro valor superior, para que, afinal, seja tudo permitido.
Porque e acredito, que se não houvesse essa tendência de matar Deus e seus valores, de matar a consciência do bem, não se aceitaria, que as coisas acontecessem, tal como as canta o Chitsondzo.
De facto, não é normal, que um senhor de idade, faça crescer miudinhas de 13, 14 anos, que os idosos, ataquem, as suas próprias netas, que tudo, seja feito a luz de dia e ante olhar de aceitação de todos.
Mas é claro, coloca-se aqui a questão de quem lança a primeira pedra e contra quem?!
O que o Ghorwane (Chitsondzo) fez, foi, numa sociedade, em que ninguém se propõe a discutir os seus valores, lançar as premissas para que os mesmos voltem a ser agenda.
E esta rede de interferência do rapazinho solteiro com a mulher casada e vice versa, dos senhores com as mocinhas da escola primária, da promiscuidade sexual que se vive, traduz a ideia de que é preciso voltar a discutir estas ideias, porque normalizar o anormal, nunca torna aquele lícito.
E o questionamento de que será que foste repreendido na sua educação, (Ubiwilitolo wena), põe a nu, esta inércia, porque, sob chavões da liberdade, tem se enveredado por um caminho de renúncia completa dos valores que cabem a um diligente pai da família, que tenta a todo custo, imitar o “pai fixe”, das novelas, esquecendo, que aquele, é talhado ao pormenor num estúdio e a vida real, essa sim difere, porque sempre surpreende.
Infelizmente, é difícil discutir esta ideia, quando ela é constantemente esvaziada em músicas de consumo que ensinam exactamente o contrário do que se pretende, em novelas que nunca foram na essência compreendidas pelo seu público alvo, em publicidade que se interessam no consumo e somente, na família que se desintegra sistematicamente, num sem número de situações, que banalizam o certo e esvaziam a nossa consciência comum do bem.
É lógico, que no lugar de discutir esta ideia, quando a carapuça vai servir, esta mesma pessoa, vai fazer o seguinte questionamento:
“Quem és tu Chitsondzo para me fazeres esta pergunta?”
E vai-se afundando a nossa sociedade....porque a roda promíscua de interferência, parece interessar a maioria, por isso, “ubiwilitolo wena, mas que se entenda, Ghorwane (Chitsonzdo), já lançaram com este questionamento a primeira pedra.

P:S. Um Sentimento de tristeza me assolou quando descobri que o Web Site da banda Ghorwane expirou!!! Que dizer?
Amosse Macamo

sexta-feira, 3 de outubro de 2008


Ecos da música moçambicana
Notícias 01 de Junho de 2007
Os apreciadores da música moçambicana estão divididos; enquanto por um lado temos os consumistas distraídos a dizerem que a música moçambicana está a dar, outros há que acham que esta mesma música está à deriva. A velocidade da música moçambicana hoje é medida em função da quantidade de músicos jovens que emergem como cogumelos e são lançados via editoras acopladas a produtores que também pululam nesta cidade.
Há um tempinho, decorreu um debate que se diz por aí que trouxe ilações, uma delas que remete ao facto dos músicos da velha guarda estarem sentados na sombra à espera de seja o que for que vier, sei lá de onde para lhes salvar; enquanto que os da nova guarda (ou geração!) embarcam no barco do empreendedorismo, trazendo, desse modo, música e alegria para o povo. Por razões profissionais não acompanhei o referido debate numa das televisões, daí que qualquer opinião que for a emitir sobre o mesmo será superficial e permeável.
Mas uma coisa que parece não ter transparecido no tal debate é o fenómeno que chamarei de plágio: A nova geração, a tal que está a dar, essencialmente, pega em músicas de cantores da velha guarda, de preferência os já finados, e pimba: faz o mix no estúdio, mete lá o bit que permite abanar a região pélvica de qualquer um e, com ajuda da pirataria que está em voga, lança um CD à venda no Xikelene, Xipamanine, e por aí fora. Infelizmente esta música até passa nos órgãos de comunicação social públicos.... fruto disso, já temos alguns músicos jovens empreendedores, sendo o exemplo mais fresco e flagrante desta prática a dupla Lorena & Oliver Style, que não me lembro tê-la visto no funeral de Mahecuane.
O outro fenómeno que o tal debate não abordou tem a ver com a qualidade dos clips: Sinceramente, eu tenho vergonha de ver os vídeoclips que ultimamente não só passam nas várias TV´s, como também são vendidos nas prateleiras da pirataria. As cantoras e respectivas bailarinas estão literalmente nuas, nuas mesmo e como se não bastasse, a forma tida como ideal para dançar tais músicas é o movimento da pélvis, para frente e para trás...estão a imaginar uma mulher semi nua (de boxers e soutien) a movimentar violentamente a sua pélvis num vídeo clip? Quer dizer, o mais precioso e agradável que uma mulher aprende a preservar, elas simplesmente vulgarizam. Salvo opinião contrária, não creio que isso dignifique a cultura moçambicana e, não façamos confusão entre erotismo e pornografia!!!
Em relação ao estilo de música em si, embora descartável e de consumo imediato, até é “dançável”, mas a confusão começa quando o tal compasso é associado ao nudismo e movimentos pélvicos. É que a postura das nossas cantoras e bailarinas no palco pode ser equiparada à prostituição; em que enquanto umas são pagas para se exibirem em público e satisfazerem instintos latentes dos seus espectadores, outras o são para satisfazerem prazeres e experiências sexuais ocultas e até de índole animalesco.
As letras da música
Um outro fenómeno que agora envenena a música moçambicana tem a ver com as letras da tal música jovem: Exemplo vivo: Hoje de manhã, enquanto me preparava para ir obedecer ao meu patrão, eu estava ligado a uma das várias rádios privadas, oiço uma música que me violenta a moral: diz e eu traduzo para português, o seguinte: “ estou bêbado e já vou para casa/ minha esposa diz que bêbado não faço bem/ vou lhe despir a capulana/ vou lhe trepar”... blá...blá...,e no fim, uma moça, ainda na mesma música, suspira: “ chega/ já não aguento”. Uma outra música que já ouvi, a letra fala de uma moça que não estuda, só passa a vida nas barracas; no meio da mesma, aparece a tal moça a desabafar: “loku niminhica mogama munipoyila” (depois de eu vos ter dado(...) vocês ainda gozam comigo). Mas antes disso, numa das passagens, a letra faz referência ao facto de a tal moça, depois de beber, “upfula minengue/ xikurhá” (abres as pernas e toma).
Pessoalmente não subscrevo a censura, mas a condição de os intervenientes da sociedade primarem por uma cultura e linguagem razoáveis.
Será que aquelas moças que aparecem nos clipes a exibirem e a bambolearem as bundas nuas têm orgulho e amor próprio? Será que inspiram respeito e consideração diante de seus pais, familiares, amigos e sociedade em geral quando os clipes passam na televisão lá em casa? E quando andam na rua? Infelizmente, ainda há homens que se atrevem a pedi-las em casamento...e claro, casam, depois do seu corpo e suas partes íntimas terem estado expostos como cartaz de espectáculo.
A disputa pelo lucro e popularidade leva a uma ablação da criatividade poética dos nossos músicos, para não falar da degeneração da moral, devido à exposição do corpo da mulher. Na verdade, a criatividade nunca há-de existir enquanto a velocidade e concorrência para vender mais e aparecer mais em público prevalecerem; o trabalho artístico leva o seu tempo para trazer frutos. Ocorre-me agora que antes desta geração, já tivemos muita e muita música erótica que até fazia referência ao sexo, de forma poética, sem pôr em causa a moral e pudor sociais.
José Mucavele já pedia à noiva para “alhayissa a xissaka xa lirhandzo/ nitassula nhuku/ wamawongwe” (preservar o ninho do amor para que eu, uma vez aí, possa enxugar o suor do celibato); Zeburane aborda uma situação em que a esposa apela ao marido “ unganihulumeteli/ ninga muhlezana” (pare de me roçar porque acabo de ter bebé); numa das músicas a Elsa Mangue diz que “ nitsendzelekile nanipakatse a saia/ nilava a ndzuti nihumula” fazendo alusão ao facto de ela deambular à procura de um lar (aqui simbolizado pela sombra/ndzuti) levando consigo a saia nas costas (imagina caro leitor o que é que a saia simboliza), para noutra música, a mesma cantora falar de um homem cuja família acredita que para se casar deve ir à sua terra natal buscar uma mulher original porque esta ostenta “aquelas coisas” (angani leswiyá). Os próprios Gorwane perguntam a uma moça “ukulissiwe himani/ uza ukota lani/ ufundissiwe himani/ aku jurajenta” (de referir que as mulheres nunca se esquecem do seu primeiro homem – mesmo que a lista seja infinita - e é a qualidade do “trabalho prestado” por esta mulher, presumivelmente aprendido deste homem, que os Gorwane enaltecem!).
Obliteração de cultura de um povo
Hoje, a sociedade finge que não vê estes pequenos deslizes; a cultura finge que sai a ganhar com este pseudo “boom” musical; os jovens preocupam-se com a fama e promoção imediatas; os nossos netos ficam expostos a este exercício de lavagem cerebral; e todos nós ficamos cúmplices de uma situação que se calhar podia ser evitada. Resultado? Obliteração de toda uma cultura de um povo! Enquanto algumas produtoras continuarem a olhar para os fins (e não meios), enquanto a pirataria continuar em alta, a nossa música vai-se confundir com pornografia e teremos muita vergonha de falar dela no estrangeiro. Sim ao erotismo e inovação, não à prostituição da nossa cultura.
PS. Quero aproveitar esta rara oportunidade para mandar um abraço de simpatia e solidariedade à Elsa Mangue, autora do “fim da estrada”. Quero assegurar a ela que agora, mais do que nunca, está no “princípio da estrada” rumo à sua salvação e recuperação. A minha memória ainda retém imagens da Elsa a lacrimejar de emoção no Cine-África na longínqua década 90...rápidas melhoras e breve regresso aos palcos, oh Elsinha!ANTÓNIO SAMBOFonte
Seu Comentário

Kid Malume


KID MALUME: O outro braço de Alexandre Langa


KID MALUME vai para sempre ficar registado nos anais da história da música moçambicana como aquele que, tantos anos depois de entrar na arena artística como bailarino e corista, saltou para a arte registando um número, indelevelmente forte, porque de crítica social, e depois disso ter desaparecido. “Dumba Nengue va Khoma”, gravado em finais da década 70, catapultou Kid Malume, que de homem totalmente desconhecido em tão pouco tempo transformou-se num dos mais populares músicos da sua geração.


Maputo, Quarta-Feira, 30 de Janeiro de 2008:: Notícias

Kid Malume não foi um músico do tipo génio e extraordinário, mas foi feliz na sua abordagem temática, tanto é que quando grava a sua “Dumba Nengue va Khoma”, o que estava em voga era o comércio informal, pois tal como hoje, dali vinha o sustento de grande parte da população e entretanto banido pelas autoridades locais.
Dos registos arquivados e por nós consultados consta somente que depois de “Dumba Nengue”, Kid Malume terá voltado aos estúdios para gravar mais uma música, que leva o título de “Rosinha”. Esta música é uma elegia à mulher, ao amor e ao trabalho. Não há registos de que depois destas duas músicas Kid Malume tenha gravado algo, mas sabe-se que ele perdeu a vida a 8 de Fevereiro de 1996, vítima de doença, entretanto já sem estar no activo.
Quanto ao tema “Rosinha”, sabe-se que este não teve o mesmo impacto de “Dumba Nengue”, que se tornou num verdadeiro hino. Foi com esta música que Kid Malume concorreu em 1988 para o Ngoma Moçambique, tendo ficado durante largas semanas em primeiro lugar. Sabe-se, no entanto, que não chegou a ser laureado.
Não obstante isso, Kid Malume é até hoje recordado nos meandros musicais e pelos amantes da música moçambicana como o autor da célebre “Dumba Nengue”.
Este artista da canção moçambicana não morreu como músico, porque as suas duas canções – principalmente o emblemático “Dumba Nengue” – continuaram a ser ouvidas na estação emissora da Rádio Moçambique, mas infelizmente não com a frequência de outrora, tal como acontece com as melodias de tantos outros artistas da sua geração que deixaram de soar.
Para muitos não interessa o facto de Damião Lopes Massingue, nome completo e de registo civil do artista Kid Malume, não ter gravado para lá de duas canções. Mas sim o importante é o impacto que as suas canções criaram e criam no imaginário daqueles que as ouvem. Por outro lado, nem sempre gravar centenas de canções é sinal indicativo de qualidade.
Aliás, o facto de Kid Malume ter morrido sem registar um número suficiente para lançar um disco de originais, até pode servir para contrariar a ideia de que só a quantidade é que conta.
Como exemplos, chamamos para este espaço os casos do conceituado Armando Mabjaia, que também não registou muitas músicas, serem músicas que tiveram o impacto que tiveram, tendo galvanizado as massas para a introspecção quanto aos problemas de ordem espiritual, das origens e da viagem.
Zeburane (Eusébio Johane Tamele), também registou um número não muito elevado de músicas, mas até hoje é tido como um dos maiores compositores da nossa história musical, com uma forma clássica de tocar a guitarra. Os seus acordes até hoje são reconhecidos como clássicos e contemporâneos, o que chega a espantar os estudiosos destes instrumentos musicais.

Alexandre Langa

NAS MÃOS DE ALEXANDRE LANGA

Maputo, Quarta-Feira, 30 de Janeiro de 2008:: Notícias

Damião Lopes Massingue quando regressou da África do Sul, onde viveu durante largos anos, juntou-se à banda do popularíssimo Alexandre Langa. Aliás, basta recordar que pelos sítios por onde passavam eram tidos como irmãos devido à forma como eles se vestiam, tais eram as semelhanças entre ambos.
Mas, para alguns Kid Malume era o Alexandre Langa em miniatura, pois tudo o abraçava e fazia se assemelhava ao que o autor de “Mabunganine” também fazia. Do corte de cabelo à forma de vestir, até no estilo de cantar e na maneira de andar. Kid Malume era uma espécie de sósia de Alexandre Langa.
Mas, o que vai depois contar no meio de tudo isso é o facto de Kid Malume vir da África do Sul com a intenção de querer se integrar na arena musical aqui em nacional. E o terreno fértil que encontrou foi a banda de Alexandre Langa. Tanto é que eles já se conheciam. E chegado cá, terá procurado por Alexandre Langa. Recordaram os tempos do antanho, desde que deixaram as longínquas terras de Gaza, empreendendo odisseias, que os levaram primeiro a Lourenço Marques, e depois a África do Sul, e, outra vez para Lourenço Marques, onde vieram fixar residência definitiva até ao dia em que Deus os chamou para habitarem o Jardim de Éden.
Alexandre Langa é de Ndavene, no distrito de Chibuto, e Kid Malume vem de Manjacaze. As qualidades vocais e os passos de dança simulados por Malume deslumbraram o jovem de Ndavene, que já era um caso de sucesso nas pistas da capital moçambicana, tendo o convidado a se juntar a si, algo que foi prontamente aceite por Kid Malume.
Kid Malume integra a banda de Alexandre Langa como corista e bailarino. Os dois passaram a partilhar os vários sucessos, estando sempre lado a lado, mas não somente como colegas na mesma banda, como também, e sobretudo isso, bons amigos. Os dois passaram a conviver juntos e em várias ocasiões festivas e informais apareciam juntos.
Importa referir também que quando Kid Malume andava ao lado de Alexandre Langa, isto na componente musical, tinham também ao lado um outro homem, na altura sonante, que é o Francisco Cuna. Os três faziam parelha e constituíam um grande trio.

CURTA CARREIRA MUSICAL

Anos mais tarde, Kid Malume decide experimentar-se como músico. E sem abandonar o agrupamento de Alexandre Langa começa em meados da década 70 a ensaiar para registar os seus próprios temas originais. Neste processo, Alexandre Langa nunca deixou de o acompanhar, tendo o orientado até à gravação da sua primeira música, o famoso tema “Dumba Nengue va Khoma”, o que vai acontecer em finais de 1978. E já em meados da década 80, Kid volta outra vez aos estúdios da Rádio Moçambique para registar mais um tema intitulado “Rosinha”.
Depois desta fase de glórias, entre espectáculos e muita farra, Kid Malume passou a gerir crises, principalmente sociais e económicas, nos bairros onde vivia, sempre ao lado do seu companheiro Alexandre Langa.
Bairro de Maxaquene, Mavalane, Mafalala e Polana Caniço são os pontos onde Kid Malume passa a frequentar, mas já sem ser recordado como o autor de Dumba Nengue. E assim vai ser a história de um homem que foi um arauto da liberdade e da música.
Francisco Manjate

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

As mensagens veiculadas pelas músicas moçambicanas
Notícias 18 de Setembro de 2007, Opinião
Hoje discute se o eterno problema e nunca solucionado em qualquer sociedade sobre a arte de fazer música. E porque a música é arte, deve necessariamente ter seus pressupostos. Entramos no velho conflito de apreciar e depreciar certa maneira de fazer música.
Coloca-se na discussão a questão de alguma música ser considerada “pimba” e outra genuína.
É claro que nesta discussão não se deixa de lado o carácter estético que se espera nas letras e, sobretudo, a mensagem que estas transmitem. Este debate não deve e nem pode preocupar, porque acho imperioso procurar os valores da nossa música e nem que seja necessário buscá-los na sua própria incerteza, pois, que se diga, é ambígua a classificação do que seja “pimba” ou não.
Não quero, por várias razões, entrar neste debate. Quero, sim, abordar a questão da mensagem nas músicas dos jovens que tende mais ao apelo sexual e erotismo, o que indigna a velha guarda e a sociedade em geral.
Escrevo numa altura em que escuto, Zeburane, excelente guitarrista, de uma voz e trato únicos nas suas canções, homem de canções melódicas e com uma forte carga de mensagem. E ao falar deste, pretendo tomar em atenção a música “wadla bomu ke?” e o alto sentido de apelo sexual e erótico que a mesma possui.
Esta canção, a meu ver, é talvez a mais erótica, é a mais apelativa sexualmente que já se produziu nos anais da música popular moçambicana, senão vejamos:
A música retrata a história de um casal (em forma de diálogo) onde o marido (Zeburane) pretende ter relações sexuais com a sua esposa (Maria), mas esta se recusa porque tem um filho a amamentar e doente. E é justamente por esta recusa que se desenrola toda a música e com as histórias que esta acaba carregando. “Tsunela seio a nwana a vabyaku, unga ni hulumeteli ninga ku bhokola xikwembo... mina swa ni vavissa a nwana a vabyaku” (chega-te para lá que a criança está doente, não me apalpe que te insulto, por Deus que te insulto).
Quando o libido sobe, mesmo quando se sobrepõe a questão da saúde do filho, o homem não pode mais esperar e, quando frustrada a tentativa, como aconteceu aqui procura outras soluções para resolver o problema, daí que Zeburane não insistiu com a mulher, mas sim, saiu à procura de outras mulheres.
O mesmo Zeburane justifica-se quando a mulher questiona este comportamento, indagando: “não foste tu que me negaste o beijo” (a hi wena unga yala kuni nyika khissi) e, entenda-se aqui o beijo como preliminar. E num jeito de desabafo, a mulher, Maria, reclama do hábito da vida devassa do seu marido Zeburane “u tolovela ku famba vusiku nkata, Zeburane nkata”, ou seja, esse seu hábito de andar a noite, meu marido Zeburane.
Mesmo com as reclamações da sua mulher Maria, Zeburane continua a sua incursão na noite, mesmo quando corre o perigo de contrair tuberculose (u famba vusiku u ta vuya ni ndere). A conotação noite/tuberculose surge do contacto sexual casual com uma mulher que provoca o aborto sem os cuidados que este exige e logo de seguida pratica relação sexual, prática que era constante nos tempos idos.
A discussão entre o casal acaba levantando outros problemas onde Zeburane assume que tem desejos incontroláveis, mas também afirma que o mesmo não é exclusivo dos homens pois “as mulheres são umas desavergonhadas (a vavasati a vana tingana, loko vadla bomu, hambi lo tsave, tsave, u xelu xelu matilho vaya kona mpela), dito de outro modo adoram comer limão (fazer limão) mesmo que amargando, vão contorcendo os olhos e querem mais, autênticas gulosas.
E porque Maria não queria perder Zeburane para as “piranhas” da noite, acaba cedendo e mais, Zeburane vai ao pote com tanta sede ao ponto de morder os lábios da sua amada até sangrarem (a nomu wu huma ngati) provocando o seguinte protesto: “Mordeste-me os lábios Zeburane, veja que até estão a sangrar” e coloca-se a questão: a que lábios Zeburane, de tanta ansiedade fez sangrar?
Zeburane prontamente pede desculpas e justifica-se a sua esposa Maria, (e talvez aqui, fica claro de que lábios se tratava), pedindo que compreendesse que comer limão não é tarefa fácil, “... é como uma guerra onde se exige uma ginástica, uma flexibilidade, uma estratégia, um levantar para cima e para baixo espontâneo, enfim, difícil...” (mamana Maria, ni rivalele nkata, wa shi tiva swaku ma dlela ya bomu i nhimpi, iu yanunu, iu findzi, findzi, i ma rhambe rhambe).
E quando esta põe em causa os ofícios de Zeburane, este o avisa (wa ma tiva ma bela ya mina, yoba hi xikossi), “conheces a minha maneira de bater pela nuca”.
E surge de novo a grande pergunta: a que posição se refere aqui o Zeburane quando põe a questão de posicionar-se com a mulher olhando rente à sua nuca? O que está aqui implícito?
Portanto, sem querer tornar este pequeno ensaio de música de Zeburane um relato prenhe de linguagem indecorosa, quis dar a entender que se pode falar de certos assuntos delicados, usando metáforas, figuras de estilo que nos remetem a um exercício para tentar descobrir o fundo da questão. E é justamente aqui onde reside a arte. Na capacidade de remeter o outro ao subjectivismo, a um constante indagar, onde não cabe uma verdade só.
Na verdade, os músicos moçambicanos da velha guarda sempre fizeram o apelo sexual e ao “eros”, só não o banalizavam como o fazem hoje os jovens, as mensagens não eram tão explícitas como são hoje, vejam que até o próprio termo “modascavalu” que os jovens hoje acolheram apela ao vigor sexual comparando o cavalgar aos movimentos próprios do acto sexual, mas é preciso reflectir até chegar lá.
O que hoje choca e não deve deixar de preocupar é a maneira exposta e despida com que a linguagem musical é trazida pelos jovens. E pergunto-me: numa situação em que algo fica exposto, valerá a pena o esforço da procura?
Escute-se “Txongola” de Roberto Chitsondzo (Gorwane), a maioria das músicas de Xidiminguana, Mahecuane (Rosa), “Majilidana”, de Eugénio Mucavele, José Mucavele, há-de se encontrar excertos de um vigoroso apelo sexual e erotismo puro, mas sempre coberto por um véu.
Há pouco, Baltazar Macamo teve uma interpretação fantástica de uma música de Fany Mpfumo que quase todos cantavam de forma inocente e nunca podiam imaginar a mensagem por detrás e por falar em Fany talvez lembrar um outro tema o (hodi, ni pfulele nkata,...) o abrir da porta que o Fany pede, pode-nos remeter a várias outras portas, pior quando põe a questão da capulana vermelha (capulana dza libungu), que só as mulheres já feitas vergam: não será esta uma referência ao ciclo menstrual? E quando o mesmo Fany canta “ni khemeli nlhampfi leyo, loko unga no khemeli na mine ni taku tsona tsumbula, lowu wa ka kwanga wa nandziha”), ou seja, saborosa e te garanto que é mesmo saborosa” quantas interpretações podemos fazer desta afirmação. Quanto apelo sexual está lá implícito? Basta lembrar o formato de uma mandioca e o líquido esbranquiçado que a mesma produz, há-de logo aferir a comparação com o órgão genital masculino. A referência ao peixe é óbvia, é só imaginar o formato do peixe e equipará-lo ao órgão genital feminino, o cheiro.
A banalidade cansa, desvaloriza no lugar de valorizar, deprecia a mulher no lugar de a cantar e encantá-la, choca e agride, mesmo que as músicas em termos rítmicos sejam apelativas esta, acaba sufocando-as.
Os jovens deviam ser mais ousados, interpretando as suas canções não só com a mestria que agora impõem, mas com alguma arte, porque mesmo a música “pimba” tem algo de belo que se aproveita assim como algumas consideradas da velha guarda, há algumas com mensagens intragáveis.
E que dizer destes jovens que as suas músicas fazem os ambientes festivos e conduzem, embora por pouco tempo, a felicidade deste belo povo?
Merecem ou não respeito e algum encorajamento? Sinceramente acredito que sim, mas se impõe que reflictam um pouco antes de lançar a sua música, porque antes da fama existe um homem que é preciso preservar.
E a terminar, porque não chamar João Paulo que uma vez disse que a “música moçambicana não era só rabo!”.
AMOSSE MACAMOFonte
Seu Comentário

quarta-feira, 17 de setembro de 2008


Irmãos Tamele: um tributo ao amor
SR. DIRECTOR!Numa época marcadamente masculina e numa região iminentemente paternalista e por isso mesmo machista como a do sul do país e propriamente em Gaza, os irmãos Tamele apareceram com uma música que rompeu com este “status”, conferindo assim um estatuto de enunciação da mulher, onde o homem finalmente reivindicava a sua liberdade de amar, contra todos os “ismos” que reduziam a mulher a um mero objecto de prazer, procriação e mão-de-obra nas lavouras.

São vários os exemplos da intolerância desta sociedade para com a mulher e da sobrevalorização do homem como dominus. Basta lembrar que não se podia pensar nunca no facto de o homem ser estéril, pois este mal era exclusivo da mulher, daí que naquelas situações que a família descobria que o homem era estéril, recorria-se a esquemas de linhagem onde alguém da família e de preferência do irmão mantinha relações sexuais com a mulher do seu irmão. Seria esta uma forma de esconder a vergonha da família e manter aos olhos de todos a imagem do super-homem. Outras sim eram as situações em que o homem convencionava com a família da noiva, enquanto esta fosse menor para que quando a mesma crescesse, fosse sua esposa sem atender de forma alguma a sua vontade.
Ora, estes pequenos exemplos, mas grandes na sua repercussão, mostram o quão aquela sociedade era hostil a qualquer manifestação de liberdade da mulher e era sobremaneira hostil a todo o comportamento por parte do homem que demonstrasse a sua sensibilidade para com os problemas da mulher. Daí que não se poderia imaginar e nem por brincadeira que numa situação de adultério o homem a pudesse perdoar. Só não podia este homem ser banido do grupo porque tal não era permitido, mas que se diga que todo o comportamento que daí haveria de se seguir seria o de total desprezo, com o risco de mesmo naquelas situações em que o filho a nascer fosse fruto da relação marital se dissesse como se costuma dizer “a nwana lweyi a fana na wena hishi kossi”, como quem diz “este filho é parecido consigo pela nuca”, como se fosse possível este exercício de ver a própria nuca!
Não se poderia pensar numa situação como a de perdão num terreno fértil de machismo como Gaza, mesmo que esse lugar seja em Ntchanwane, terra do grande homem Zeburane (homem sensível aos problemas da mulher) que, por sinal, é pai dos irmãos Tamele.
De facto, numa situação de comprovado adultério, a mulher sujeitava-se a dois mundos totalmente hostis: o do marido ferido e o da sua família ao retornar a casa.
De facto, para além da valente sova que receberia do homem forte das minas do rand, aquela seria escorraçada até a casa dos pais, com o homem a pedir de volta as suas cabeças de gado e tudo quanto se achasse gasto para “adquirir a sua mercadoria”, para além das devidas compensações e porquê não desposar a irmã mais nova daquela?
Sem esquecer que esta mulher ao chegar à casa dos seus pais também seria recebida por vaias e insultos, pois com aquele comportamento expunha toda a sua família, para além de que esta seria obrigada a restituir o que já não possuía e de que nada justificaria uma situação de adultério.
Entenda-se, nesta sociedade o amor não tinha importância e se tinha era relativa. O feminino contrapunha-se ao sentimento de virilidade, a mulher aqui não poderia tomar posse do seu prazer tão somente reclamar o “usufruto do seu corpo” e o seu orgasmo. A tradição a confinava a mera servidora.
Ora, atentos a estes factos acima enunciados os irmãos Tamele, com a música “Tana nkata”, parecem deitar abaixo esta maneira de ver as coisas ao cantarem: “ni tirheli djoni / niya tirhela wena, niya tirhela muti, niya tirhela vana, se vanga lhupeki. Loko ni bhala tinwadi a nlhamuli aniyikumi / utchava nikuni byela swaku awuyo siya a vana voshe / tana nkata u vula lomu ungale kona / ukombela arivalelo alirhandzo lingue heli”, ou seja “consenti o sacrifício de trabalhar nas minas para o teu bem, dos nossos e da família. Tantas vezes te escrevi, sem contudo obter resposta, tiveste até medo e/ou receio de dizer que tinhas deixado as crianças entregues à sua sorte. Mas, venha amor, diga-me onde estiveste, peça perdão que nem por isso o nosso amor vai acabar”.
Quantos de nós ainda hoje têm coragem de dizer isso? Quantas famílias se desfizeram por um deslize da mulher que poderia muito bem ser corrigido com um pedido de desculpas? E porquê não temos a coragem de uma vez que isso aconteça, nos propormos a investigar as causas primeiras e últimas que levaram a mulher a enveredar por este caminho?
E não é esta a visão do homem moderno e do ocidental que procuramos a todo o custo ganhar? Onde ganharam os irmãos Tamele ideias iguais?
Será prova de fraqueza perdoar em situações similares? E quando a mulher envereda pelo adultério em muitas situações não estará a chamar a atenção de que algo vai mal na relação conjugal?
Não pretendo obter respostas e nem trazê-las, basta lembrar que muitas vezes vale a pena o exercício de questionar.
E viva os irmãos Tamele que com a sua linda canção romântica trouxeram à superfície estes modestos questionamentos. E que se diga na história da nossa música posicionamento igual não se conhece.E por que não recordar uma outra balada de amor cantada por estes a “Judite”, mas esta é matéria do próximo ensaio.
AMOSSE MACAMO

quarta-feira, 3 de setembro de 2008


10 anos depois: Arão Litsuri com a mesma cítara
Notícias 5 de Dezembro de 2007
Chegou a casa - num dia desses - com uma guitarra na mão, surpreendendo a mãe que nem sabia de onde o filho trazia aquele instrumento. Que se transformaria mais tarde numa espécie de chave. De ouro. Para abrir portas sagradas que deixariam passar aquele que viria a tornar-se num dos maiores músicos do nosso país. Arão Litsuri era nessa altura um fedelho. Conquistou a sua progenitora. Particularmente naquele dia. Ficando com ela horas e horas cantando juntos. A mãe – já falecida – era uma grande compositora, apesar de não ter sido muito conhecida por esses feitos, limitando-se aos círculos religiosos por onde ela passava. Ela libertou do seu ventre – para a luz - um filho de elevada estatura. Que passou pelo Duo Seara, Trio Hortêncio Langa, Arão Litsuri e João Cabaço e pelo fenomenal Alambique. Também Arão seguiu – como Abraão seguiu a voz de Deus que lhe mandava ao Egipto para libertar os filhos de Israel – as peugadas do seu pai: pastor da Igreja Congregacional. Formou-se em Teologia no Zimbabwe, onde esteve a estudar durante seis anos. E hoje é reverendo dessa mesma Igreja. Canta sempre na Casa do Senhor. Canta pouco – ultimamente – nos palcos. E Djeko já lhe disse uma vez: tens a voz masculina mais bonita deste país. E Arão recusa-se a aceitar isso. Ele diz que uma das maiores vozes deste país é de João Cabaço e do próprio Djeko. Está atento aos desenvolvimentos musicais do seu país e considera que os jovens que hoje aparecem estão bem naquilo que eles escolheram fazer. A música moçambicana tem altos e baixos, considera o reverendo, mas neste momento, de acordo com a sua observação, está no pico. Ele é também uma pessoa mais ou menos discreta, provavelmente pelo carácter que bebeu do pai. E isso sente-se quando está no palco e na vida. Arão Litsuri surpreende—nos agora com um livro. Com carácter religioso: “Há Negros na Bíblia?” É uma obra a ser lançada no mesmo dia em que vai tocar para apresentação do seu disco, no dia 13. E será uma surpresa para muitos esta veia literária do autor da cristalina música Malangavi Ya Ndzilo. Um livro que poderá levantar intensos debates salutares à volta da provável intervenção de africanos na elaboração dos escritos bíblicos. É um livro, portanto, que levanta questões. É um desafio. Um estudo de uma parte da trajectória de Deus. Pois é: Arão oferece-nos um disco compacto (CD) com o título: Arão Litsuri: dez anos depois. Dez anos depois de quê, se Arão Listuri canta há mais de trinta anos? Mas ele vai nos explicar isso e outras coisas nesta entrevista que se segue. Para nos falar dos seus passos, e recordar-nos que a cítara espiritual que recebeu da sua mãe, ainda se mantém na sua mão e na sua alma: a mesma cítara.
- 10 anos depois de quê, Arão Litsuri?
- Dez anos depois de ter saído de Moçambique para ir estudar no Zimbabwe. Voltei aqui para fazer algumas tarefas no âmbito da Igreja e, depois de eu ter voltado foi então quando fiz este concerto. Portanto, são dez anos depois da interrupção do Alambique.
- Por falar do Alambique, depois daqueles dois espectáculos que deram em Maputo, ficou a promessa de gravarem um disco. Em que fase se encontra esse projecto?
- Não deixamos uma promessa. O que aconteceu é que alguém gravou o espectáculo todo e ele disse que trabalharia para que se editasse em disco aquele show ao vivo. Por aquilo que eu sei a maqueta está pronta e tem qualidade. O que falta é encontrar alguém ou uma instituição para patrocinar a edição.
- Será portanto um disco de um espectáculo gravado ao vivo!
- Sim, mas é bom notar que o Alambique não prometeu nada, porque sabe que o processo é muito complicado, mas o material está lá e é muito bom, muito bom mesmo.
- Para além do Alambique fez parte dum grupo que não tinha nome. Porquê que nunca deram nome a esse trio que era composto por Hortêncio Langa, Arão Litsuri e João Cabaço?
- Este conjunto tinha nome. Esse nome era Hortêncio Langa, Arão Litsuri e João Cabaço. Nós adoptamos esse estilo e chamamos ao nosso trio Hortêncio Langa, Arão Litsuri e João Cabaço.
- Mas essa opção não era porque cada elemento da banda tinha a sua própria linha?
- Não necessariamente por isso. Nós o que estávamos a fazer era seguir uma linha. Há uma série de grupos, sobretudo duos e trios que davam ao grupo o nome de cada elemento. É verdade que cada um vinha com a sua experiência musical, isso é verdade, mas não foi bem por isso que optamos por essa linha.
- Para além dos temas que constam em Arão Litsuri: Dez anos depois, o quê que nos reserva mais para este espectáculo?
- Basicamente vou expor os temas que fazem parte deste disco. Vou convidar alguns músicos importantes na minha carreira, como o trio de que estávamos a falar (Hortêncio Langa, Arão Litsuri e João Cabaço). Vou convidar também jovens que estão na ribalta no género que eu toco e que me acompanham (Jomalu, Alfa Magaia, El Sal, Cadinho). No CD fazem ainda parte Joaquim, Naldo, Acácio e Osvaldo). Este vai ser um condimento e mais surpresas que nós preparamos e, para não deixarem de ser surpresa, eu não vou dizer.
- Como é que estão as relações do trio Hortêncio Langa, Arão Litsuri e João Cabaço?
- Sempre quando a gente se encontra, a frase que cada um lança é: epá, quando é que vamos tocar juntos e fazer um espectáculo? Portanto isso é para mostrar que ainda continuamos ligados, apesar das actividades diversas que cada um de nós tem. Há sempre no fundo de nós aquela vontade de nos juntarmos e fazermos alguma coisa e este espectáculo vai ser uma oportunidade de nos juntarmos uma vez mais. Será por poucos momentos mas estaremos lá.
- Nunca teve preconceitos por ser Reverendo duma igreja e aparecer nos palcos?
- Para mim não há preconceitos desse género, porque e olho para mim de uma forma global. Eu tenho várias actividades que as considero importantes na sociedade. A música é importante, o trabalho religioso é importante, outros trabalho que sou convidado a fazê-los são importantes, portanto não vejo problemas nenhuns em aparecer no palco e actuar. Claro que eu sei que há pessoas que podem estar a pensar que não, que ele não devia estar ali no palco, mas eu penso que eles estão se habituando a esta personalidade multifacetada do Arão Listsuri e julgo que estão a aceitar.
- Está completamente a vontade?
- Eu estou a vontade. Não estaria a vontade se eu estivesse a fazer algo de mal e aí eu procuro - quando temos certas “capas” ou chapéus – andar com um certo cuidado para não desvirtuarmos as posições que temos e eu julgo que estas actividades que eu tenho vindo a fazer não desvirtuam, pelo contrário, mostrtam um Arão Listuri real, que fez isto, que fez aquilo, que fez aquiloutro.
- Indo ao seu disco, sentimos um grande comprometimento – da sua parte - com o blues e o jazz, porquê?
- Porque eu venho de uma geração que ouviu muito esse estilo de música. O blues – falou muito bem – o rock também aparece. Mas é bom mencionar que no fundo desses estilos todos está a música tradicional africana. Nós encontramos ali o nondje – que é a influência da Companhia Nacional de Canto e Dança (CNCD), no tempo em que eu estive lá, encontramos o munganda, que é a influência daquilo que eu vivi durante a minha permanência na CNCD. Mas é verdade aquilo que dizes, porque ouvíamos o blues, o rock e outros estilos musicais. Eles foram condimentados para dar uma vertente que é uma proposta eu faço neste CD.
- Então há uma exaltação ao blues e ao rock!?
- Eu não diria isso. Claro, quando nós ouvimos uma música, cada um tem a sua percepção. Mas muitas vezes o autor quando faz, ou o compositor neste caso, ele também tem a sua intenção. De facto peguei na base rítmica moçambicana. É preciso estar muito atento, porque mesmo nos ritmos da guitarra surgem batucadas. Quando tiras a harmonia tens que ouvir o que a guitarra está a fazer. Vais perceber que afinal tens um ritmo tradicional africano e é muito difícil perceber isso, mas está lá e os musicólogos podem estudar e encontrar isso.
- No dia do lançamento do disco, será lançado igualmente o seu livro: Há negros na Bíblia. Fale-nos um pouco sobre o alcance deste projecto.
- Quem for a ler o livro vai perceber os motivos que me levaram a elaborar este obra. Durante os meus estudos senti que há uma falta sobre a contribuição da África na bíblia, porquê? Porque nós temos visto por exemplo que Abraão emigrou para o Egipto e Egipto é África. Jesus Cristo também esteve refugiado em África. Portanto muitos líderes do povo de Israel daquele tempo passaram por África. A formação da Nação de Israel, o berço, nós diríamos que foi exactamente em África (Egipto). Então, logicamente tinha que haver uma ligação que está escondida ou que não está a ser realçada e esta é a proposta de discussão sobre se há negros na bíblia ou não. É uma tentativa de pesquisar e ver se de facto África teve alguma influência ou não nos escritos bíblicos.
- Não é um livro que nos traz conclusões?
- Não é um livro que nos traz conclusões. Traz algumas propostas de soluções, e que estão abertas para discussão. Mas quem for a ler o livro dificilmente vai descordar com algumas das conclusões que são apresentadas como propostas.
- Ao lançar este livro faz-nos lembrar que Arão Litsuri faz tudo na vida com Deus como suporte. Estaremos certos?
- Eu diria muito mais. Não só eu como pessoa. Acho que todos nós estamos directa ou indirectamente incluídos no suporte de Deus, deixando aqueles que se declaram ateus. Os demais incluem-se também no suporte de Deus naquilo que fazem na vida, duma forma genérica. Agora no meu caso específico, sim eu tenho de facto tentado relacionar a minha vida com a crença que eu tenho, com a fé que eu tenho Posso falhar aqui e acolá, logicamente, mas a tentativa de luta é essa. Que tudo que eu faça seja guiado por Deus.
- Também tem fortes influências dos seus pais, da sua mãe em particular, no que diz respeito a música...
- É verdade, porque meu pai foi pastor, deu-me uma oportunidade de crescer dentro do ambiente religioso. A minha mãe era uma grande compositora. Não foi conhecida como tal, mas dentro do círculo das pessoas com quem viveu, conheceram a ela como boa compositora e maestro também. Então eu lembro-me que a primeira vez que eu pego numa guitarra, trago para casa e toco. A minha mãe ficou horas a cantar comigo na guitarra, portanto tenho essas influências.
- E tem uma “dívida” a pagar à sua mãe, com aquela música: Malangavi Ya Ndzilo. Essa música é dela...
- Exactamente. E eu faço questão de mencionar isso aí no disco. Ela fez uma composição que cantou com o estilo logicamente daquele tempo religioso e eu peguei nesse tema e trabalhei e fiz aquilo que é o Malangavi hoje e é preciso dar uma homenagem a ela. E a minha mãe faleceu.
- Falar de Arão Litsuri é falar de uma figura portentosa, mas que nunca foi à escola de música, apesar de ser um grande músico...
- Nós nunca fomos a escola de música. Claro o Hortênco Langa está agora na universidade a estudar, mas tivemos sempre a oportunidade de ouvir muito, porque a escola da vida, a escola prática, também é uma escola. Foi ouvindo diversos estilos de música que crescemos. Isso nos ajudou a estar bem informados musicalmente e isso aliado a prática, ao exercício. Nós ensaiávamos muito naquela altura. Também tínhamos muito tempo e neste processo nós fomos nos interessando por alguns escritos na área musical. Eu li muito: introdução à música, a composição, interpretação, harmonia, as melodias... então sem ir a carteira, hoje me considero diferente daquele músico Arão Litsuri dos anos 80.
- Arão aprece poucas vezes nos palcos. Isso não poderá afectar, de alguma forma, a sua performance?
- Boa pergunta essa. Acho que um músico devia aparecer regularmente. Vai ver que houve um período que eu não podia fazer isso. Hoje vai depender das oportunidade que surgirem à frente. Agora tenho algum tempo para me dedicar também a prática musical.
ALEXANDRE CHAÚQUEFonte
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