sexta-feira, 10 de julho de 2009

João Cabaço: A luminosidade de uma voz

João Cabaço: A luminosidade de uma voz

Ocorreu-me o titulo de uma forma esporádica, mas que se diga, logo que me ocorreu, virou quase que uma obsessão.

João é dono de uma voz de todas as cores belas, voz viva de um milagre real chamado vida, voz de pura escarlate, de um estatuto puramente verbal, de refinados acabamentos, do mistério da sua própria criação poética, doce e acima de tudo iluminada.

Sim; uma voz de luz, não daquelas que ofuscam, mas peculiar, sobretudo de uma contextualidade forte, voz de transes, delírios, de concreta poesia.

Reparem, não preciso inventar palavras, nem me confundir em vocabulário de difícil acesso para evocar esta voz porque ela se confunde com a leveza das palavras comuns da vida.

Já ouvi João Cabaço cantando várias músicas, aliás, há pouco (e me condeno por ter sido tardio), tive que fazer um recuo ao Rabadab Zam´thaka, para ouvi-lo cantar e com o mesmo pecúlio e quiçá perceber donde vem o trato fino na voz, a luminosidade, o brio, o doce, o choro, o requinte e a soberba.

Recentemente ouvi-o numa das estacões de televisão local cantando e com o esmero que sempre o caracterizou uma música do Fany com requintes de Jazz e blues. Trata-se da música “niwa makhombo”, que parece resumir a vida de Fany, a sua vida, a minha.

Mas a música que me proponho a abordar hoje é a música “mamana waku”(sua mãe), uma música que para mim, merece estar no top das músicas mais bem conseguidas de sempre no pais, sim, porque nesta música, há um formidável e resoluto casamento entre o homem da cidade que se tornou o João, e o rapaz rural (do subúrbio se o preferirem) a quem José Mucavele concebeu como “mupfana wa livala”.

De facto, estes dois personagens, não resistem, não divergem, pelo contrário; convivem, mesmo que numa série de dificuldades, como é afinal a relação entre mãe e filho. Criam uma única força, para cantar a mãe na língua que ela melhor entende, para conseguirem ajoelhar suas almas e chegar lá, lá onde vive o coração de uma mãe que ama seus filhos e os quer tornar melhores possíveis.

De uma forma luminosamente superior, diz o João que “...mamana waku i shihiwa sha mussava oh wene Manuna mata”, como quem diz: sua mãe é a dádiva do mundo, meu caro Manuna...”

Nesta música, João encontra nos sábios conselhos que dá a Manuna (porque ele já consegiu chegar ao coração da mãe), uma gruta para se refazer a si próprio, mostrando aos outros o valor do respeito, da humildade, do génio que sabe reconhecer o ventre gerador e renasce em belas falas para perfumar com a sua voz a simbologia da vida, do amor, do seu lugar como filho, e desperta nos outros o sentimento de questionamento; o que representa para si a sua mãe?

Esta música, me causa sempre algumas barreiras que parecem intransponíveis, porque sinto que ainda não encontrei a posição que o João dá a sua mãe.

É que, tenho a impressão que meu coração tem esconderijos, verdadeiras grutas onde me escondo, e, sem que eu saia de lá, será difícil senão impossível encontrar em minhas falas o lugar para a minha mãe.

Verdade é que sempre foi difícil uma conversa entre mim e minha mãe e talvez, este seja o erro da educação de ontem, a falta de diálogo, a questão da fala que remete ao olhar no olho e descobrir outras verdades.

Mas talvez me pareça com o João, porque acredito que em algum momento, houve uma renhida luta com ele mesmo e depois um despertar filosófico, onde, deve ter passado por todo este processo, até descobrir na canção a melhor forma de dizer as coisas à sua mãe e porque eu não tenho o dom do canto, vou-me socorrer das suas palavras e da sua linda canção para dizer que a minha mãe é a alma, a dádiva deste mundo, meu farol em noites de pranto, a mulher que tenho certeza de que manterá seus braços sempre abertos, minha direcção quando me perco, minha inspiração e mensagem de esperança até quando o mundo parece não querer me dizer nada, meu alicerce, esta dádiva e mesmo que minhas falas não o digam, meu coração sabe.

Ode ao Cabaço, esta voz fresca, relevante, de invenção alquímica, construída não em nenhuma academia, senão, a de oralidade popular, do comum existir, onde o simples é belo, como o amor de mãe para com o filho e vice-versa.
Amosse Macamo