segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Bilibiza

Bilibiza
Em Salimo, certamente coexistem dois mundos radicalmente opostos: a esperança e o desespero, a perseverança e a inutilidade, que só se sustentam, porque ele é um homem de têmpera rija.
O davula mananga, talvez seja o exemplo deste desespero e esperança, onde numa situação limite, viu-se obrigado a partir, chegando, como ele mesmo diz, a orientar-se com o sol.
De facto, quando todas as expectativas são desfeitas, nada resta ao homem senão partir e Salimo partiu. Chegou ao ponto de convencer-se, que um curandeiro o tratara para ser invisível; pudera!
Ora, só o desespero pode trazer situação igual, porque doutra forma não se pode perceber, que Salimo tenha acreditado que ficou mesmo invisível.
Mas engana-se quem pensa que partem os cobardes, não; só um homem de coragem pode partir, só um homem de ânsia, de temor, de persistência e acima de tudo de esperança é capaz de partir, justamente pela ideia de que a frente será diferente.
Só um homem corajosos e portanto, capaz de incentivar-se a si próprio pode partir, isto porque quem parte nunca pede conselhos, tão-somente, partilhar a ideia.
O davula mananga é a música dos rejeitados, dos que se sentem marginalizados, do apelo ao isolamento, dos que partem com uma cicatriz no coração.
O Bilibiza, foi talvez, a mais dura experiência de Salimo, o inevitável parto de davula mananga e outras sagas de Salimo, porque, ele, nunca conseguiu, mesmo que querendo esquecer Bilibiza. Marcou-o de tal forma, que disse para ele mesmo que tinha de sobreviver, para poder contar aos outros a sua experiência.
E a música Bilibiza, é este partilhar não querendo, da sua passagem daquele campo de reeducação e mesmo quando hoje se nega a falar daquela experiência, penso que o faz com toda a razão, porque em duas palavras, esgota o que viveu em Bilibiza:“ya bahmba” (é duro Bilibiza, na verdade, bate-se duro em Bilibiza). “Kuni mayila yila le Bibilibiza” (há vicissitudes em Bilibiza.).
De facto, a ideia de reeducar o homem separando-o da família, será sempre um fardo que Salimo vai carregar por toda a vida e ninguém o fará esquecer, mesmo que perdoando, porque Bilibiza, foi para ele, uma gruta da escuridão, onde negou-se a reeducação, porque nunca precisou dela.
Mas Bilibiza ganha, por trazer os dois mundos antagónicos de Salimo: do desespero e da esperança, afinal, tal como no davula mananga onde primeiro, ganha a ideia de sofrimento enraizado, de um drama humilhante e desesperante onde se dança Makway (dança que era tida como de castigo), até ao segundo momento onde, “Bilibiza ka rimiwa” (Em Bilibiza cultiva-se.)
Bom, a primeira vista, diríamos que Salimo diz, aquilo que foi de domínio de todos, que em Bilibiza cultivava-se. Afinal, uma forma de garantir o auto sustento, das várias pessoas, tiradas de todo o pais, para a reeducação.
Mas, se olharmos com outros olhos para a expressão cultiva-se, deparamo-nos com uma sobreposição propositada: só cultiva quem quer semear e só semea, quem quer colher.
Assim, o acto de cultivar remete-nos a várias realidades, sendo algumas as de nascimento de uma nova planta (novo pensamento), de renovação, de esperança de abundância e acima de tudo, de um enraizamento capaz de sobreviver as intempéries.
E Salimo é esta raiz, capaz de sobreviver a qualquer intempérie, é este homem que vive na fronteira da esperança e de desespero, é este, que quando decide escolher a canção que melhor o caracteriza ou o canta, elege hlalelani vokala ndjombo (contemplem os desafortunados/azarados)
Bilibiza é para mim, a mensagem insistente e insinuante de nascimento de um novo pensamento, um novo ser já cultivado: prenúncio de uma revolução.
Na verdade, quando Salimo diz no final do coro ahi fambeni hiyaku vona, (vamos lá ver) faz o que nos acostumou, lançar duas ou mais ideias em uma só: lança primeiro uma intenção de denúncia da dureza de vida que se vivia em Bilibiza por um lado, e por outro, a ideia de uma mensagem de apelo para que todos possam lá ir, e testemunhar que apesar de tudo, algo de bom ali acontece. É a ideia dos dois mundos; a simbiose que caracteriza o Simeão, digo Salimo.
Amosse Macamo