sexta-feira, 19 de setembro de 2008

As mensagens veiculadas pelas músicas moçambicanas
Notícias 18 de Setembro de 2007, Opinião
Hoje discute se o eterno problema e nunca solucionado em qualquer sociedade sobre a arte de fazer música. E porque a música é arte, deve necessariamente ter seus pressupostos. Entramos no velho conflito de apreciar e depreciar certa maneira de fazer música.
Coloca-se na discussão a questão de alguma música ser considerada “pimba” e outra genuína.
É claro que nesta discussão não se deixa de lado o carácter estético que se espera nas letras e, sobretudo, a mensagem que estas transmitem. Este debate não deve e nem pode preocupar, porque acho imperioso procurar os valores da nossa música e nem que seja necessário buscá-los na sua própria incerteza, pois, que se diga, é ambígua a classificação do que seja “pimba” ou não.
Não quero, por várias razões, entrar neste debate. Quero, sim, abordar a questão da mensagem nas músicas dos jovens que tende mais ao apelo sexual e erotismo, o que indigna a velha guarda e a sociedade em geral.
Escrevo numa altura em que escuto, Zeburane, excelente guitarrista, de uma voz e trato únicos nas suas canções, homem de canções melódicas e com uma forte carga de mensagem. E ao falar deste, pretendo tomar em atenção a música “wadla bomu ke?” e o alto sentido de apelo sexual e erótico que a mesma possui.
Esta canção, a meu ver, é talvez a mais erótica, é a mais apelativa sexualmente que já se produziu nos anais da música popular moçambicana, senão vejamos:
A música retrata a história de um casal (em forma de diálogo) onde o marido (Zeburane) pretende ter relações sexuais com a sua esposa (Maria), mas esta se recusa porque tem um filho a amamentar e doente. E é justamente por esta recusa que se desenrola toda a música e com as histórias que esta acaba carregando. “Tsunela seio a nwana a vabyaku, unga ni hulumeteli ninga ku bhokola xikwembo... mina swa ni vavissa a nwana a vabyaku” (chega-te para lá que a criança está doente, não me apalpe que te insulto, por Deus que te insulto).
Quando o libido sobe, mesmo quando se sobrepõe a questão da saúde do filho, o homem não pode mais esperar e, quando frustrada a tentativa, como aconteceu aqui procura outras soluções para resolver o problema, daí que Zeburane não insistiu com a mulher, mas sim, saiu à procura de outras mulheres.
O mesmo Zeburane justifica-se quando a mulher questiona este comportamento, indagando: “não foste tu que me negaste o beijo” (a hi wena unga yala kuni nyika khissi) e, entenda-se aqui o beijo como preliminar. E num jeito de desabafo, a mulher, Maria, reclama do hábito da vida devassa do seu marido Zeburane “u tolovela ku famba vusiku nkata, Zeburane nkata”, ou seja, esse seu hábito de andar a noite, meu marido Zeburane.
Mesmo com as reclamações da sua mulher Maria, Zeburane continua a sua incursão na noite, mesmo quando corre o perigo de contrair tuberculose (u famba vusiku u ta vuya ni ndere). A conotação noite/tuberculose surge do contacto sexual casual com uma mulher que provoca o aborto sem os cuidados que este exige e logo de seguida pratica relação sexual, prática que era constante nos tempos idos.
A discussão entre o casal acaba levantando outros problemas onde Zeburane assume que tem desejos incontroláveis, mas também afirma que o mesmo não é exclusivo dos homens pois “as mulheres são umas desavergonhadas (a vavasati a vana tingana, loko vadla bomu, hambi lo tsave, tsave, u xelu xelu matilho vaya kona mpela), dito de outro modo adoram comer limão (fazer limão) mesmo que amargando, vão contorcendo os olhos e querem mais, autênticas gulosas.
E porque Maria não queria perder Zeburane para as “piranhas” da noite, acaba cedendo e mais, Zeburane vai ao pote com tanta sede ao ponto de morder os lábios da sua amada até sangrarem (a nomu wu huma ngati) provocando o seguinte protesto: “Mordeste-me os lábios Zeburane, veja que até estão a sangrar” e coloca-se a questão: a que lábios Zeburane, de tanta ansiedade fez sangrar?
Zeburane prontamente pede desculpas e justifica-se a sua esposa Maria, (e talvez aqui, fica claro de que lábios se tratava), pedindo que compreendesse que comer limão não é tarefa fácil, “... é como uma guerra onde se exige uma ginástica, uma flexibilidade, uma estratégia, um levantar para cima e para baixo espontâneo, enfim, difícil...” (mamana Maria, ni rivalele nkata, wa shi tiva swaku ma dlela ya bomu i nhimpi, iu yanunu, iu findzi, findzi, i ma rhambe rhambe).
E quando esta põe em causa os ofícios de Zeburane, este o avisa (wa ma tiva ma bela ya mina, yoba hi xikossi), “conheces a minha maneira de bater pela nuca”.
E surge de novo a grande pergunta: a que posição se refere aqui o Zeburane quando põe a questão de posicionar-se com a mulher olhando rente à sua nuca? O que está aqui implícito?
Portanto, sem querer tornar este pequeno ensaio de música de Zeburane um relato prenhe de linguagem indecorosa, quis dar a entender que se pode falar de certos assuntos delicados, usando metáforas, figuras de estilo que nos remetem a um exercício para tentar descobrir o fundo da questão. E é justamente aqui onde reside a arte. Na capacidade de remeter o outro ao subjectivismo, a um constante indagar, onde não cabe uma verdade só.
Na verdade, os músicos moçambicanos da velha guarda sempre fizeram o apelo sexual e ao “eros”, só não o banalizavam como o fazem hoje os jovens, as mensagens não eram tão explícitas como são hoje, vejam que até o próprio termo “modascavalu” que os jovens hoje acolheram apela ao vigor sexual comparando o cavalgar aos movimentos próprios do acto sexual, mas é preciso reflectir até chegar lá.
O que hoje choca e não deve deixar de preocupar é a maneira exposta e despida com que a linguagem musical é trazida pelos jovens. E pergunto-me: numa situação em que algo fica exposto, valerá a pena o esforço da procura?
Escute-se “Txongola” de Roberto Chitsondzo (Gorwane), a maioria das músicas de Xidiminguana, Mahecuane (Rosa), “Majilidana”, de Eugénio Mucavele, José Mucavele, há-de se encontrar excertos de um vigoroso apelo sexual e erotismo puro, mas sempre coberto por um véu.
Há pouco, Baltazar Macamo teve uma interpretação fantástica de uma música de Fany Mpfumo que quase todos cantavam de forma inocente e nunca podiam imaginar a mensagem por detrás e por falar em Fany talvez lembrar um outro tema o (hodi, ni pfulele nkata,...) o abrir da porta que o Fany pede, pode-nos remeter a várias outras portas, pior quando põe a questão da capulana vermelha (capulana dza libungu), que só as mulheres já feitas vergam: não será esta uma referência ao ciclo menstrual? E quando o mesmo Fany canta “ni khemeli nlhampfi leyo, loko unga no khemeli na mine ni taku tsona tsumbula, lowu wa ka kwanga wa nandziha”), ou seja, saborosa e te garanto que é mesmo saborosa” quantas interpretações podemos fazer desta afirmação. Quanto apelo sexual está lá implícito? Basta lembrar o formato de uma mandioca e o líquido esbranquiçado que a mesma produz, há-de logo aferir a comparação com o órgão genital masculino. A referência ao peixe é óbvia, é só imaginar o formato do peixe e equipará-lo ao órgão genital feminino, o cheiro.
A banalidade cansa, desvaloriza no lugar de valorizar, deprecia a mulher no lugar de a cantar e encantá-la, choca e agride, mesmo que as músicas em termos rítmicos sejam apelativas esta, acaba sufocando-as.
Os jovens deviam ser mais ousados, interpretando as suas canções não só com a mestria que agora impõem, mas com alguma arte, porque mesmo a música “pimba” tem algo de belo que se aproveita assim como algumas consideradas da velha guarda, há algumas com mensagens intragáveis.
E que dizer destes jovens que as suas músicas fazem os ambientes festivos e conduzem, embora por pouco tempo, a felicidade deste belo povo?
Merecem ou não respeito e algum encorajamento? Sinceramente acredito que sim, mas se impõe que reflictam um pouco antes de lançar a sua música, porque antes da fama existe um homem que é preciso preservar.
E a terminar, porque não chamar João Paulo que uma vez disse que a “música moçambicana não era só rabo!”.
AMOSSE MACAMOFonte
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