quarta-feira, 12 de março de 2008

o erotismo nas músicas

Hoje discute se o eterno problema e nunca solucionado em qualquer sociedade sobre a arte de fazer música. E porque a música é arte, deve necessariamente ter seus pressupostos. Entramos no velho conflito de apreciar e depreciar certa maneira de fazer música.
Coloca-se na discussão a questão de alguma música ser considerada “pimba” e outra genuína.É claro que nesta discussão não se deixa de lado o carácter estético que se espera nas letras e, sobretudo, a mensagem que estas transmitem. Este debate não deve e nem pode preocupar, porque acho imperioso procurar os valores da nossa música e nem que seja necessário buscá-los na sua própria incerteza, pois, que se diga, é ambígua a classificação do que seja “pimba” ou não.Não quero, por várias razões, entrar neste debate. Quero, sim, abordar a questão da mensagem nas músicas dos jovens que tende mais ao apelo sexual e erotismo, o que indigna a velha guarda e a sociedade em geral.Escrevo numa altura em que escuto, Zeburane, excelente guitarrista, de uma voz e trato únicos nas suas canções, homem de canções melódicas e com uma forte carga de mensagem. E ao falar deste, pretendo tomar em atenção a música “wadla bomu ke?” e o alto sentido de apelo sexual e erótico que a mesma possui.Esta canção, a meu ver, é talvez a mais erótica, é a mais apelativa sexualmente que já se produziu nos anais da música popular moçambicana, senão vejamos:A música retrata a história de um casal (em forma de diálogo) onde o marido (Zeburane) pretende ter relações sexuais com a sua esposa (Maria), mas esta se recusa porque tem um filho a amamentar e doente. E é justamente por esta recusa que se desenrola toda a música e com as histórias que esta acaba carregando.“Tsunela seio a nwana a vabyaku, unga ni hulumeteli ninga ku bhokola xikwembo... mina swa ni vavissa a nwana a vabyaku” (chega-te para lá que a criança está doente, não me apalpe que te insulto, por Deus que te insulto).Quando o libido sobe, mesmo quando se sobrepõe a questão da saúde do filho, o homem não pode mais esperar e, quando frustrada a tentativa, como aconteceu aqui procura outras soluções para resolver o problema, daí que Zeburane não insistiu com a mulher, mas sim, saiu à procura de outras mulheres.O mesmo Zeburane justifica-se quando a mulher questiona este comportamento, indagando: “não foste tu que me negaste o beijo” (a hi wena unga yala kuni nyika khissi) e, entenda-se aqui o beijo como preliminar. E num jeito de desabafo, a mulher, Maria, reclama do hábito da vida devassa do seu marido Zeburane “u tolovela ku famba vusiku nkata, Zeburane nkata”, ou seja, esse seu hábito de andar a noite, meu marido Zeburane.Mesmo com as reclamações da sua mulher Maria, Zeburane continua a sua incursão na noite, mesmo quando corre o perigo de contrair tuberculose (u famba vusiku u ta vuya ni ndere). A conotação noite/tuberculose surge do contacto sexual casual com uma mulher que provoca o aborto sem os cuidados que este exige e logo de seguida pratica relação sexual, prática que era constante nos tempos idos.A discussão entre o casal acaba levantando outros problemas onde Zeburane assume que tem desejos incontroláveis, mas também afirma que o mesmo não é exclusivo dos homens pois “as mulheres são umas desavergonhadas (a vavasati a vana tingana, loko vadla bomu, hambi lo tsave, tsave, u xelu xelu matilho vaya kona mpela), dito de outro modo adoram comer limão (fazer limão) mesmo que amargando, vão contorcendo os olhos e querem mais, autênticas gulosas.E porque Maria não queria perder Zeburane para as “piranhas” da noite, acaba cedendo e mais, Zeburane vai ao pote com tanta sede ao ponto de morder os lábios da sua amada até sangrarem (a nomu wu huma ngati) provocando o seguinte protesto: “Mordeste-me os lábios Zeburane, veja que até estão a sangrar” e coloca-se a questão: a que lábios Zeburane, de tanta ansiedade fez sangrar?Zeburane prontamente pede desculpas e justifica-se a sua esposa Maria, (e talvez aqui, fica claro de que lábios se tratava), pedindo que compreendesse que comer limão não é tarefa fácil, “... é como uma guerra onde se exige uma ginástica, uma flexibilidade, uma estratégia, um levantar para cima e para baixo espontâneo, enfim, difícil...” (mamana Maria, ni rivalele nkata, wa shi tiva swaku ma dlela ya bomu i nhimpi, iu yanunu, iu findzi, findzi, i ma rhambe rhambe).E quando esta põe em causa os ofícios de Zeburane, este o avisa (wa ma tiva ma bela ya mina, yoba hi xikossi), “conheces a minha maneira de bater pela nuca”.E surge de novo a grande pergunta: a que posição se refere aqui o Zeburane quando põe a questão de posicionar-se com a mulher olhando rente à sua nuca? O que está aqui implícito?Portanto, sem querer tornar este pequeno ensaio de música de Zeburane um relato prenhe de linguagem indecorosa, quis dar a entender que se pode falar de certos assuntos delicados, usando metáforas, figuras de estilo que nos remetem a um exercício para tentar descobrir o fundo da questão. E é justamente aqui onde reside a arte. Na capacidade de remeter o outro ao subjectivismo, a um constante indagar, onde não cabe uma verdade só.Na verdade, os músicos moçambicanos da velha guarda sempre fizeram o apelo sexual e ao “eros”, só não o banalizavam como o fazem hoje os jovens, as mensagens não eram tão explícitas como são hoje, vejam que até o próprio termo “modascavalu” que os jovens hoje acolheram apela ao vigor sexual comparando o cavalgar aos movimentos próprios do acto sexual, mas é preciso reflectir até chegar lá.O que hoje choca e não deve deixar de preocupar é a maneira exposta e despida com que a linguagem musical é trazida pelos jovens. E pergunto-me: numa situação em que algo fica exposto, valerá a pena o esforço da procura?Escute-se “Txongola” de Roberto Chitsondzo (Gorwane), a maioria das músicas de Xidiminguana, Mahecuane (Rosa), “Majilidana”, de Eugénio Mucavele, José Mucavele, há-de se encontrar excertos de um vigoroso apelo sexual e erotismo puro, mas sempre coberto por um véu.Há pouco, Baltazar Macamo teve uma interpretação fantástica de uma música de Fany Mpfumo que quase todos cantavam de forma inocente e nunca podiam imaginar a mensagem por detrás e por falar em Fany talvez lembrar um outro tema o (hodi, ni pfulele nkata,...) o abrir da porta que o Fany pede, pode-nos remeter a várias outras portas, pior quando põe a questão da capulana vermelha (capulana dza libungu), que só as mulheres já feitas vergam: não será esta uma referência ao ciclo menstrual? E quando o mesmo Fany canta “ni khemeli nlhampfi leyo, loko unga no khemeli na mine ni taku tsona tsumbula, lowu wa ka kwanga wa nandziha”), ou seja, saborosa e te garanto que é mesmo saborosa” quantas interpretações podemos fazer desta afirmação. Quanto apelo sexual está lá implícito? Basta lembrar o formato de uma mandioca e o líquido esbranquiçado que a mesma produz, há-de logo aferir a comparação com o órgão genital masculino. A referência ao peixe é óbvia, é só imaginar o formato do peixe e equipará-lo ao órgão genital feminino, o cheiro.A banalidade cansa, desvaloriza no lugar de valorizar, deprecia a mulher no lugar de a cantar e encantá-la, choca e agride, mesmo que as músicas em termos rítmicos sejam apelativas esta, acaba sufocando-as.Os jovens deviam ser mais ousados, interpretando as suas canções não só com a mestria que agora impõem, mas com alguma arte, porque mesmo a música “pimba” tem algo de belo que se aproveita assim como algumas consideradas da velha guarda, há algumas com mensagens intragáveis.E que dizer destes jovens que as suas músicas fazem os ambientes festivos e conduzem, embora por pouco tempo, a felicidade deste belo povo?Merecem ou não respeito e algum encorajamento? Sinceramente acredito que sim, mas se impõe que reflictam um pouco antes de lançar a sua música, porque antes da fama existe um homem que é preciso preservar.E a terminar, porque não chamar João Paulo que uma vez disse que a “música moçambicana não era só rabo!”.

terça-feira, 11 de março de 2008

Modaskavalo

A minha paixão por música é antiga. Na verdade, cresci a ouví-la, que hoje tornou-se este inevitável vício do qual não consigo me livrar.

Nasci e cresci na Polana Caniço e mesmo em frente á minha casa, havia lá uma senhora que era curandeira e em certos dias de semana, ouvia-se aquelas canções melódicas com sabor a batucada, vinte metros mais á frente tinha um templo da seita sião (maziones), onde também o improviso da batucada e cantos exaltados me extasiavam. Em casa, não me escapava nenhuma canção da Rádio Moçambique no “National” memória das minas de rand do meu velho e querido pai Macamo e quando saia para brincar era inevitável cantar, “loko ni dentro Maputo, ni khumbuca Teresa wa mina....” e muitas outras canções que povoavam o meu imaginário de criança sem escolha, sem vídeo games e todo o mundo electrónico que hoje se oferece.

E era feliz, muito feliz......quando finalmente veio a Televisão experimental, pela primeira vez, experimentei ver algumas caras que já ouvia na Rádio, como o Fany, todos da Orquestra Marrabenta e os demais.

É a mesma música que dirigiu minha vida e me fez este homem que sou hoje, a música de ontem, alguma que é feita hoje mas com licores de ontem. E sempre que a escuto revisito a minha infáncia e perco-me na certeza de que se não forem tomadas medidas algo se vai diluindo e nada restará senão o pó, donde afinal viemos.

Esta página, além de ser a recordação da minha infância, pretende ser uma singela homenagem aos fazedores de boa música moçambicana, em todas as suas vertentes, onde abre-se espaço para debate, critica, soluções e muito mais.

Espero contar consigo, para esta viagem, que acredito ser de todos nós, porque necessária.
E não pensei noutro nome, senão, o Modaskavalu popularizado por Mahecuane num tema tocado com Fany em 1955 e posteriormente acolhido por todos executores de Marrabenta......vem irmão, vamos caminhar juntos, neste meu, teu, nosso Modaskavalu.

Rosa

Rosa
“Na ku vitana tolo wa darissa uni wu hawu Roso, Wa gwira Rosa, uni wu hawu Roso”. (ontem chamei-te e não acedeste Rosa, gingas Rosa, tens manias)
O Mahecuane é para mim um grandissíssimo executor, já antes tinha dito, que, abaixo da linha de execução do Fany vinha o Mahecuane, um verdadeiro homem das mulheres, diria uma espécie de Don Juan, o perigote delas. E era para elas que muitas vezes cantava e Rosa não foi escolhida por acaso, pois, para além do sugestivo nome Rosa de flôr, Mahecuane quís homenagear a mulher como sempre o fez com mestria e acima de tudo, discordar do comportamento da sua mulher amada.
Sem a redicularizar, Mahecuane mostrou atravês desta bela melodia não concordar do comportamento da sua amada, pois, ficou claro nesta canção que os dois combinaram um encontro que não se concretizou justamente, porque a Rosa não se fez presente. Na pior das hipóteses podiamos até interpretar o discurso de forma directa e neste caso, pensariamos que este, a chama e nega e daí a sua impugnação, mas tal, cairia em terra, visto que o ontem (vitana tolo), revela que esta acção teve lugar no passado, isto é, algo que deveria ter sucedido, mas não se concretizou.

Na verdade, a canção, surge aqui como um desabafo, um escape, quem sabe uma forma de realizar este amor que teima em não acontecer.
Esta canção pode ter sido feita propositadamente para que a Rosa a ouvisse e se preferir ou querer, dançar a desgraça do Mahecuane, mas também, como uma forma de publicamente declarar o seu amor por ela.
Como uma flôr que se oferece a quem amamos, Mahecuane quís oferecer uma canção a mulher que o rejeitou e que por sinal se chamava Rosa.
Podia assim Mahecuane, ter tomado partido de uma acção vingativa, qual “Dadinha” de Joaquim Macuacua, mas não o fez porque era um excelente cavalheiro, um homem respeitador, que conhecia o lugar que se reservava a mulher, um homem de mulheres.
Este amor não realizado e tornado música, não é o único nos anais da nossa música, basta lembrar por exemplo o caso de Dilon Nginje com a música “Podina”, Marracuene vani tekele Podina, Dillon vamu tekele Podina.....a mulher que ele amava e terminou com outro. Um outro caso é o do Eugénio Mucavele com “Ida” que ficou de olhos arregalados na entrada da sua casa a espera da sua amada que lhe prometeu chegar no final de dia e nunca mais (Hi wena Nkata unga ni dumbissa uku uta buya loko dambu dzi ju pswu), o mesmo que cantou Magilidana este lindo poema de amor (que em ocasião certa falaremos.), e bem diz que a sua felicidade nunca será plena sem a Magilidana no seu lar (hambi no nosha kaya kwanga ku pfumala dlovi yawu kati hime fenha Magilidana.)
Mas que se diga que não era a primeira vez que Mahecuane esperava, pois,acontecera o mesmo com a música Celestina (Nu tchuwukela dlambu la tchona, loze lo mpu ni lava Celestina mina, Celestina waka Macaringue sati wa mina wa ku rhandza.), onde espera até ao pôr de sol, sem que a sua amada, Celestina Macaringue, se faça presente e como que lamentando fez a m­­úsica Celestina, tão linda, bem executada e graciosa como o seu amor.
Aconteceu o mesmo ao mestre Fany com a Lidia, o seu grande amor que o troca por outro e ele canta (kambe utani dzimuka mina), certo que te vais lembrar de mim.
Mahecuane irradiava acima de tudo alegria nas suas músicas, uma alegria contagiante que meia volta terminava num passo a Modaskavalu marrabenta senta baixo, porque ele sabia que no ar não se podia sentar.
O Modaskavalu é exemplo dessa alegria, uma música que contamina pela maneira como foi executada e na verdade, a junção com o Fany trouxe este charme que perdura até hoje e a nova geração tenta resgatar.
Um Mahecuane que teve a coragem de chamar atenção as mulheres para não andarem com homens sovinas, pois nem roupa para vestirem teriam (u rhanda kakata uta pfumala ni buluku....ni bhanchi) e porque estas, muitas vezes não ouviam seus conselhos, caiam em desgraça, mas não por falta de aviso, dai que ele diz (unga rile nwana mamani lwei wanuna wa ku biha hoti languela), não chores minha irmã, tu é que escolheste esse homem com defeitos.
Quando digo que Mahecuane cantava as mulheres talvez duvidem, mas se repararem com olhos de ver vão encontrar lá temas dirigidas a mulher como é o caso da sátira (wati vona ti mbuya tanga), onde diz gostar tanto da sua mulher, que a dá tempo de ir amantizar-se ( a sati wamina nimu rhandza swinene nimu nhica ni nkama waku famba a gueleza.), e podiamos olhar para esta, e interpretá-la sem o cinismo que esta carrega, e estaria implícita aqui, uma mensagem de confiaça que ele depositava na mulher, como quem diz, o que amo deixo livre, com certeza de que há de sempre voltar.
Mahecuane sabia bem o efeito que criava nas mulheres, e sabia por isso mesmo que era odiado por homens, pois achavam que lhe tirava as suas mulheres a dizia a brincar “leswi Mahecuane wakona vamu vonaku ku sasseka” (como sabem que o tal Mahecuane é bonito), pensam que lhes vou roubar as mulheres, quando apenas vou tomar o meu copo. Era este sentido de piada e alegria que o Mahecuane imprimia nas suas músicas, era este gostinho de cantar a mulher, o seu charme, a sua garra, os seus problemas, anseios que faziam de mahecuane um artista de charme e execução únicas. Um homem que a sua guitarra, tinha um sabor especial, com uma voz que carregava uma melodia e uma força cuja leveza não se encontra hoje em dia e é justamente por isso que o procuro vezes sem conta para ouví-lo, porque para mim, homens como Mahecuane não morrem, de modo que, decidi de certa forma homenegeá-lo nesta página, que se chama Modaskavalu.