sexta-feira, 3 de outubro de 2008


Ecos da música moçambicana
Notícias 01 de Junho de 2007
Os apreciadores da música moçambicana estão divididos; enquanto por um lado temos os consumistas distraídos a dizerem que a música moçambicana está a dar, outros há que acham que esta mesma música está à deriva. A velocidade da música moçambicana hoje é medida em função da quantidade de músicos jovens que emergem como cogumelos e são lançados via editoras acopladas a produtores que também pululam nesta cidade.
Há um tempinho, decorreu um debate que se diz por aí que trouxe ilações, uma delas que remete ao facto dos músicos da velha guarda estarem sentados na sombra à espera de seja o que for que vier, sei lá de onde para lhes salvar; enquanto que os da nova guarda (ou geração!) embarcam no barco do empreendedorismo, trazendo, desse modo, música e alegria para o povo. Por razões profissionais não acompanhei o referido debate numa das televisões, daí que qualquer opinião que for a emitir sobre o mesmo será superficial e permeável.
Mas uma coisa que parece não ter transparecido no tal debate é o fenómeno que chamarei de plágio: A nova geração, a tal que está a dar, essencialmente, pega em músicas de cantores da velha guarda, de preferência os já finados, e pimba: faz o mix no estúdio, mete lá o bit que permite abanar a região pélvica de qualquer um e, com ajuda da pirataria que está em voga, lança um CD à venda no Xikelene, Xipamanine, e por aí fora. Infelizmente esta música até passa nos órgãos de comunicação social públicos.... fruto disso, já temos alguns músicos jovens empreendedores, sendo o exemplo mais fresco e flagrante desta prática a dupla Lorena & Oliver Style, que não me lembro tê-la visto no funeral de Mahecuane.
O outro fenómeno que o tal debate não abordou tem a ver com a qualidade dos clips: Sinceramente, eu tenho vergonha de ver os vídeoclips que ultimamente não só passam nas várias TV´s, como também são vendidos nas prateleiras da pirataria. As cantoras e respectivas bailarinas estão literalmente nuas, nuas mesmo e como se não bastasse, a forma tida como ideal para dançar tais músicas é o movimento da pélvis, para frente e para trás...estão a imaginar uma mulher semi nua (de boxers e soutien) a movimentar violentamente a sua pélvis num vídeo clip? Quer dizer, o mais precioso e agradável que uma mulher aprende a preservar, elas simplesmente vulgarizam. Salvo opinião contrária, não creio que isso dignifique a cultura moçambicana e, não façamos confusão entre erotismo e pornografia!!!
Em relação ao estilo de música em si, embora descartável e de consumo imediato, até é “dançável”, mas a confusão começa quando o tal compasso é associado ao nudismo e movimentos pélvicos. É que a postura das nossas cantoras e bailarinas no palco pode ser equiparada à prostituição; em que enquanto umas são pagas para se exibirem em público e satisfazerem instintos latentes dos seus espectadores, outras o são para satisfazerem prazeres e experiências sexuais ocultas e até de índole animalesco.
As letras da música
Um outro fenómeno que agora envenena a música moçambicana tem a ver com as letras da tal música jovem: Exemplo vivo: Hoje de manhã, enquanto me preparava para ir obedecer ao meu patrão, eu estava ligado a uma das várias rádios privadas, oiço uma música que me violenta a moral: diz e eu traduzo para português, o seguinte: “ estou bêbado e já vou para casa/ minha esposa diz que bêbado não faço bem/ vou lhe despir a capulana/ vou lhe trepar”... blá...blá...,e no fim, uma moça, ainda na mesma música, suspira: “ chega/ já não aguento”. Uma outra música que já ouvi, a letra fala de uma moça que não estuda, só passa a vida nas barracas; no meio da mesma, aparece a tal moça a desabafar: “loku niminhica mogama munipoyila” (depois de eu vos ter dado(...) vocês ainda gozam comigo). Mas antes disso, numa das passagens, a letra faz referência ao facto de a tal moça, depois de beber, “upfula minengue/ xikurhá” (abres as pernas e toma).
Pessoalmente não subscrevo a censura, mas a condição de os intervenientes da sociedade primarem por uma cultura e linguagem razoáveis.
Será que aquelas moças que aparecem nos clipes a exibirem e a bambolearem as bundas nuas têm orgulho e amor próprio? Será que inspiram respeito e consideração diante de seus pais, familiares, amigos e sociedade em geral quando os clipes passam na televisão lá em casa? E quando andam na rua? Infelizmente, ainda há homens que se atrevem a pedi-las em casamento...e claro, casam, depois do seu corpo e suas partes íntimas terem estado expostos como cartaz de espectáculo.
A disputa pelo lucro e popularidade leva a uma ablação da criatividade poética dos nossos músicos, para não falar da degeneração da moral, devido à exposição do corpo da mulher. Na verdade, a criatividade nunca há-de existir enquanto a velocidade e concorrência para vender mais e aparecer mais em público prevalecerem; o trabalho artístico leva o seu tempo para trazer frutos. Ocorre-me agora que antes desta geração, já tivemos muita e muita música erótica que até fazia referência ao sexo, de forma poética, sem pôr em causa a moral e pudor sociais.
José Mucavele já pedia à noiva para “alhayissa a xissaka xa lirhandzo/ nitassula nhuku/ wamawongwe” (preservar o ninho do amor para que eu, uma vez aí, possa enxugar o suor do celibato); Zeburane aborda uma situação em que a esposa apela ao marido “ unganihulumeteli/ ninga muhlezana” (pare de me roçar porque acabo de ter bebé); numa das músicas a Elsa Mangue diz que “ nitsendzelekile nanipakatse a saia/ nilava a ndzuti nihumula” fazendo alusão ao facto de ela deambular à procura de um lar (aqui simbolizado pela sombra/ndzuti) levando consigo a saia nas costas (imagina caro leitor o que é que a saia simboliza), para noutra música, a mesma cantora falar de um homem cuja família acredita que para se casar deve ir à sua terra natal buscar uma mulher original porque esta ostenta “aquelas coisas” (angani leswiyá). Os próprios Gorwane perguntam a uma moça “ukulissiwe himani/ uza ukota lani/ ufundissiwe himani/ aku jurajenta” (de referir que as mulheres nunca se esquecem do seu primeiro homem – mesmo que a lista seja infinita - e é a qualidade do “trabalho prestado” por esta mulher, presumivelmente aprendido deste homem, que os Gorwane enaltecem!).
Obliteração de cultura de um povo
Hoje, a sociedade finge que não vê estes pequenos deslizes; a cultura finge que sai a ganhar com este pseudo “boom” musical; os jovens preocupam-se com a fama e promoção imediatas; os nossos netos ficam expostos a este exercício de lavagem cerebral; e todos nós ficamos cúmplices de uma situação que se calhar podia ser evitada. Resultado? Obliteração de toda uma cultura de um povo! Enquanto algumas produtoras continuarem a olhar para os fins (e não meios), enquanto a pirataria continuar em alta, a nossa música vai-se confundir com pornografia e teremos muita vergonha de falar dela no estrangeiro. Sim ao erotismo e inovação, não à prostituição da nossa cultura.
PS. Quero aproveitar esta rara oportunidade para mandar um abraço de simpatia e solidariedade à Elsa Mangue, autora do “fim da estrada”. Quero assegurar a ela que agora, mais do que nunca, está no “princípio da estrada” rumo à sua salvação e recuperação. A minha memória ainda retém imagens da Elsa a lacrimejar de emoção no Cine-África na longínqua década 90...rápidas melhoras e breve regresso aos palcos, oh Elsinha!ANTÓNIO SAMBOFonte
Seu Comentário

Kid Malume


KID MALUME: O outro braço de Alexandre Langa


KID MALUME vai para sempre ficar registado nos anais da história da música moçambicana como aquele que, tantos anos depois de entrar na arena artística como bailarino e corista, saltou para a arte registando um número, indelevelmente forte, porque de crítica social, e depois disso ter desaparecido. “Dumba Nengue va Khoma”, gravado em finais da década 70, catapultou Kid Malume, que de homem totalmente desconhecido em tão pouco tempo transformou-se num dos mais populares músicos da sua geração.


Maputo, Quarta-Feira, 30 de Janeiro de 2008:: Notícias

Kid Malume não foi um músico do tipo génio e extraordinário, mas foi feliz na sua abordagem temática, tanto é que quando grava a sua “Dumba Nengue va Khoma”, o que estava em voga era o comércio informal, pois tal como hoje, dali vinha o sustento de grande parte da população e entretanto banido pelas autoridades locais.
Dos registos arquivados e por nós consultados consta somente que depois de “Dumba Nengue”, Kid Malume terá voltado aos estúdios para gravar mais uma música, que leva o título de “Rosinha”. Esta música é uma elegia à mulher, ao amor e ao trabalho. Não há registos de que depois destas duas músicas Kid Malume tenha gravado algo, mas sabe-se que ele perdeu a vida a 8 de Fevereiro de 1996, vítima de doença, entretanto já sem estar no activo.
Quanto ao tema “Rosinha”, sabe-se que este não teve o mesmo impacto de “Dumba Nengue”, que se tornou num verdadeiro hino. Foi com esta música que Kid Malume concorreu em 1988 para o Ngoma Moçambique, tendo ficado durante largas semanas em primeiro lugar. Sabe-se, no entanto, que não chegou a ser laureado.
Não obstante isso, Kid Malume é até hoje recordado nos meandros musicais e pelos amantes da música moçambicana como o autor da célebre “Dumba Nengue”.
Este artista da canção moçambicana não morreu como músico, porque as suas duas canções – principalmente o emblemático “Dumba Nengue” – continuaram a ser ouvidas na estação emissora da Rádio Moçambique, mas infelizmente não com a frequência de outrora, tal como acontece com as melodias de tantos outros artistas da sua geração que deixaram de soar.
Para muitos não interessa o facto de Damião Lopes Massingue, nome completo e de registo civil do artista Kid Malume, não ter gravado para lá de duas canções. Mas sim o importante é o impacto que as suas canções criaram e criam no imaginário daqueles que as ouvem. Por outro lado, nem sempre gravar centenas de canções é sinal indicativo de qualidade.
Aliás, o facto de Kid Malume ter morrido sem registar um número suficiente para lançar um disco de originais, até pode servir para contrariar a ideia de que só a quantidade é que conta.
Como exemplos, chamamos para este espaço os casos do conceituado Armando Mabjaia, que também não registou muitas músicas, serem músicas que tiveram o impacto que tiveram, tendo galvanizado as massas para a introspecção quanto aos problemas de ordem espiritual, das origens e da viagem.
Zeburane (Eusébio Johane Tamele), também registou um número não muito elevado de músicas, mas até hoje é tido como um dos maiores compositores da nossa história musical, com uma forma clássica de tocar a guitarra. Os seus acordes até hoje são reconhecidos como clássicos e contemporâneos, o que chega a espantar os estudiosos destes instrumentos musicais.

Alexandre Langa

NAS MÃOS DE ALEXANDRE LANGA

Maputo, Quarta-Feira, 30 de Janeiro de 2008:: Notícias

Damião Lopes Massingue quando regressou da África do Sul, onde viveu durante largos anos, juntou-se à banda do popularíssimo Alexandre Langa. Aliás, basta recordar que pelos sítios por onde passavam eram tidos como irmãos devido à forma como eles se vestiam, tais eram as semelhanças entre ambos.
Mas, para alguns Kid Malume era o Alexandre Langa em miniatura, pois tudo o abraçava e fazia se assemelhava ao que o autor de “Mabunganine” também fazia. Do corte de cabelo à forma de vestir, até no estilo de cantar e na maneira de andar. Kid Malume era uma espécie de sósia de Alexandre Langa.
Mas, o que vai depois contar no meio de tudo isso é o facto de Kid Malume vir da África do Sul com a intenção de querer se integrar na arena musical aqui em nacional. E o terreno fértil que encontrou foi a banda de Alexandre Langa. Tanto é que eles já se conheciam. E chegado cá, terá procurado por Alexandre Langa. Recordaram os tempos do antanho, desde que deixaram as longínquas terras de Gaza, empreendendo odisseias, que os levaram primeiro a Lourenço Marques, e depois a África do Sul, e, outra vez para Lourenço Marques, onde vieram fixar residência definitiva até ao dia em que Deus os chamou para habitarem o Jardim de Éden.
Alexandre Langa é de Ndavene, no distrito de Chibuto, e Kid Malume vem de Manjacaze. As qualidades vocais e os passos de dança simulados por Malume deslumbraram o jovem de Ndavene, que já era um caso de sucesso nas pistas da capital moçambicana, tendo o convidado a se juntar a si, algo que foi prontamente aceite por Kid Malume.
Kid Malume integra a banda de Alexandre Langa como corista e bailarino. Os dois passaram a partilhar os vários sucessos, estando sempre lado a lado, mas não somente como colegas na mesma banda, como também, e sobretudo isso, bons amigos. Os dois passaram a conviver juntos e em várias ocasiões festivas e informais apareciam juntos.
Importa referir também que quando Kid Malume andava ao lado de Alexandre Langa, isto na componente musical, tinham também ao lado um outro homem, na altura sonante, que é o Francisco Cuna. Os três faziam parelha e constituíam um grande trio.

CURTA CARREIRA MUSICAL

Anos mais tarde, Kid Malume decide experimentar-se como músico. E sem abandonar o agrupamento de Alexandre Langa começa em meados da década 70 a ensaiar para registar os seus próprios temas originais. Neste processo, Alexandre Langa nunca deixou de o acompanhar, tendo o orientado até à gravação da sua primeira música, o famoso tema “Dumba Nengue va Khoma”, o que vai acontecer em finais de 1978. E já em meados da década 80, Kid volta outra vez aos estúdios da Rádio Moçambique para registar mais um tema intitulado “Rosinha”.
Depois desta fase de glórias, entre espectáculos e muita farra, Kid Malume passou a gerir crises, principalmente sociais e económicas, nos bairros onde vivia, sempre ao lado do seu companheiro Alexandre Langa.
Bairro de Maxaquene, Mavalane, Mafalala e Polana Caniço são os pontos onde Kid Malume passa a frequentar, mas já sem ser recordado como o autor de Dumba Nengue. E assim vai ser a história de um homem que foi um arauto da liberdade e da música.
Francisco Manjate