quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Hodi Ni pfulele N'kata

Hodi ni pfulele n’kata

Nili hodi nili hodi, hodi nipfulele nkata
Nili hodi nili hohi, hodi ni pfulele mine

Capulana dza libungu dzaku shonga ku yambala va mapswele
Capulana dza libungu dzaku shonga ku yambala va mapswele

Ni pfuleli nkata
Capulana dza libungu dzaku shonga ku yambala va mapswele

Pfula axi pfalu anipfala nkata/pfula axipfalu ani pfalanga mine
Ni pfulele nkata… _Fany Mpfumo.


O Fany sempre fascinou-me pela sua criatividade e trato nas suas músicas. E mais, na elegia que fazia a mulher, cantando-a de forma graciosa e contribuindo até para elevar a sua auto-estima, como bem o fez na música leswi wena unga kuluka/unga bola….”, como quem diz “mereces casar comigo mesmo magra, baixa, alta ou podre de gorda…”

Bom, devem já ter notado com a introdução, que não pretendo falar de todas as músicas de Fany, mas de uma em particular, o “Hodi”, este hino, que mexe comigo, quando cantado pelo próprio Fany e mesmo em versão cantada por Hortênsio Langa, Arão Litsure e outro executante de proa da música moçambicana.

Hodi em changana, significa “pedir licença”e/ou bater a porta. Quem diz hodi, pede permissão para entrar e de principio numa casa ou em algum outro lugar restrito que precisa da anuência da outra parte, (o destinatário do pedido.)

O Hodi ni pfuleli nkata, remete-nos a ideia de que o dono de casa pede licença na sua própria casa, e suplicando à sua própria mulher, para que o deixe entrar.

Ora, se no contexto social do Fany o dono de casa era o dominus, o munumuzana, a quem desprestigiava e desonrava para amigos, familiares e vizinhos saber que bate a porta da sua própria casa, como se pode explicar tal comportamento?

A resposta a este questionamento nos leva a conclusão óbvia de que este pedir permissão, não tem nada a ver com o entrar numa casa, ou o bater de uma porta. Tem a ver com algum outro lugar de acesso completamente restrito e me questiono: que lugar será este?

Bom, uma coisa é clara; Fany concretiza na música que bate a porta, quando a sua mulher, o responde dizendo: “Pfula axi pfalu ani pfalanga nkata/, pfula axi pfalu ani pfalanga mine”, (abra a porta que não fechei meu marido, abra que não fechei)

Ora, quando o Fany faz do lugar que quer entrar uma incógnita, para meia volta concretizar que bate uma porta, tal, torna-se tão óbvio e por conseguinte contraditório, isto porque não faria sentido pedir licença na sua própria casa, por um lado, e por outro, a enunciação da incógnita.

Voltamos assim ao lógico questionamento: que lugar o homem precisaria de pedir licença à sua própria mulher para entrar?

Deve e há-de ser algum lugar onde o dono da casa para entrar, dependeria da vontade da sua esposa, falamos de uma porta, onde o social, mesmo com a sua força não consegue intervir, porque, restrito e íntimo.

Mesmo que se aceite que o homem foi sem as chaves, (porque havia situações em que o homem queria entrar em intimidades com a mulher e os filhos de forma alguma deviam se aperceber), este, perdia-se no meio da noite até ter a certeza de que os filhos apanharem sono.

Mas ai está, não faria sentido que pedisse licença porque despertaria os filhos, de quem teve que queimar a noite até que dormissem. Mas Dizia que mesmo que aceitássemos que este homem foi sem chaves, não faria sentido que ele insistisse para que ela abrisse, porque para além do bater a porta característica do dono da casa, a mulher, naquele tempo não apanhava o sono enquanto seu homem não voltasse, dai que não faz sentido a insistência (nipfuleli n’kata), para além de que conhecedor dos segredos de abertura da porta.

E voltamos ao mesmo ponto: que porta quer que se abra o Fany?

Talvez a nossa resposta esteja no verso que canta a seguir ao nipfuleli nkata, quando a mulher responde “pfula ashi pfalu a ni pfalanga nkata, pfula ashipfalu ani pfalanga, para em coro já cantar capulana dza libungu dza kushonga ku yambala va mapswele (abra a porta que não fechei, abra que não fechei/a capulana linda e vermelha, é trajada por matronas)

O capulana dza libungu dza ku shonga, (embora tenha-me referido em um outro escrito que fazia referência ao ciclo menstrual, tal não se sustenta, senão isoladamente, pois, não se compreenderia que a mulher acedesse ao bater da porta, quando de período. Só lembrar que era tabu e por isso mesmo prenúncio de varias desgraças, fazer amor com a mulher no período.

Olhando o “capulana dza libungu”, no conjunto, como se pretende, e sendo aquela a resposta da mulher, vai significar cedência, para o acto sexual, uma vez que “não estou na menopausa, logo, apta para o acto (capulana…kuyambala va mapswele), onde o “libungu-vermelho”, seria a menopausa.),
Bom, é uma explicação possível, mas de toda a forma, fica claro que Hodi, faz assim referência ao pedido do homem para o acto sexual, onde pede o Fany, para que a mulher o deixe entrar para desfrutar não só do acto, mas também para lançar a semente de modo a que nasçam filhos, razão última da comunhão de vida.

Contudo, há quem olha para o Hodi com a simplicidade que é cantada, sem metáforas, nem parábolas, onde o homem, simplesmente, pede a mulher que abra a porta da sua própria casa!

Sim…o que teria isso de errado? E não imploramos hoje que nos abram a porta em nome da igualdade? E mais, não nos arriscamos a dormir nas escadas, por ter saído contra a vontade da senhora? Não imploramos aos ouvidos abertos e sempre atentos do vizinho na madrugada para entrar mesmo que seja para dormir na sala? Mesmo com as chaves, não abrimos e depois, detemo-nos com os ferrolhos interiores que nos remete ao hodi?

Seja como for interpretado o Hodi, será sempre este hino malandro do homem que implora a mulher para entrar, sabe-se aonde e para quê.
Amosse Macamo