terça-feira, 17 de agosto de 2010

GHORWANE O MITO

Ghorwane, o mito de uma geração
Quando assinei uma pequena matéria de exaltação deste grupo com este título no pequeno fórum de discussão que partilho com amigos na internet, o meu amigo Nhecuta Phambany khossa, fez questão de me lembrar que o meu título era inspirado no filme dos “The doors.”
Respondi-o que não, que este título era e somente inspirado em Ghorwane, um mito que me parece que se há-de tornar de gerações. É que Ghorwane é símbolo de nós mesmos, é nosso irreal real, nossa utopia, nosso enigma tangível. As músicas de Ghorwane esculpem cada instante das nossas vidas, são de uma estrutura poética igual a nós, de um esquema metafórico profundamente moçambicano, uma espécie de versos de sugestão de saudade de nós próprios quando ainda éramos puros.

Uma música que propõe-se a focar toda a gente dentro de si, uma sublimação dos nossos valores, o melhor equilíbrio conseguido de um povo que luta incessantemente para se afirmar como ele é: moçambicanto. Sim, nós somos feitos de canto, quem de nós não é cantor e até da sua própria desgraça? Quem?

Ghorwane é Moçambique em letras maiúsculas, nosso espírito alicerçado pelos seus poetas, aliás, tanto o Zeca Alage, o Pedro Langa, e Chitsondzo, são um dos maiores letristas que o pais possui.
Zeca Alage tinha aquela veia rebelde e extraordinária coragem de dizer o que sentia, tinha todo o seu lastro de inconformismo puro, inconformismo que se fazia sentir nas suas músicas; quem não se lembra de Massotchua, onde as armas que nos dizimavam eram mais caras que os sacos de arroz, onde as guerras infindáveis teimavam em acontecer mesmo que sem propósito (), mesmas guerras que e recuando no passado dizimaram nossas gentes no Gwaza Muthine (estava o Zeca a colocar Gwaza Muthine como prenúncio? Ou então o nosso sacrifício por aqueles que tombaram a defenderem o pais?) “iwu siwana linga nguenela matiku yava ntima, hitoti nyimpi taku kala ntlamuxelo …..tinhimpi taku kala tinga heli nito yini ….tiheti ni va tukulu va minooo vatukulu ningava siya gwaza muthini….).

Mesmas dores que sente em mavabyi, (doenças), doenças que dizimam homens, que o faz perder esperança e o torna céptico em relação ao futuro, isto porque quando olha para os seus filhos vê que a tendência é de piorar(loku ni txuwuka nghamu ya mina mbai mbai swo tlula mpimo), e o pior cenário diz ele, é aquele que está por vir (kambe leyi ingatata bassopani madjaha).

Dói-me o corpo, tenho o estômago inchado, e onde está o médico, afinal, onde está o médico? (muzhimba wa mina wa vava dokodela aye kwino aye kwini dokodeloo?) Ao que se segue o desespero em fracção apocalíptica: nitofa ni siya maxaka ya mina( vou morrer e deixar meu familiares?).

O sujeito poético em mavabyi, percebe-se que viveu tempo suficiente para ver a guerra colonial (yama putukesi) e a civil(ya dhoropa), e daí que adverte: a que vem será pior (a biológica, mavabyi). Não estarão aqui inclusas as HIV/SIDA e companhia?

Quem não se lembra do poeta do sublime; o Pedro Langa? Pedro era fiel aos problemas do pais, e mamba ya malepfu talvez seja o relato mais fiel dessa fidelidade, porque o chamativo que faz para que se venha contemplar a “mamba de barbas”(vitaniwa nwina vitaniwa mita vona mamba leyi ingakona lani ya malepfu bava), não é mais que um pretexto para chamar os dezasseis anos de guerra civil, é ele a dizer vinde cá meu povo, aproxime-se para ver esta cobra que ficou dezasseis anos a encubar seus ovos, mas que hoje está entre nós. É preciso lembrar que Pedro escreve esta música (1992) numa altura em que pairava grande incerteza da durabilidade da paz, mas, como que profetizando o futuro dizia (aku rhula kutave kona, lita yandza tiko leli), haverá paz, estabilidade e desenvolvimento neste pais. Quer dizer, num cenário de precariedade da paz e de incerteza sobre o futuro Pedro soube buscar a esperança, soube chamar o povo para uma mensagem positiva soube exorcisar em mamba ya malepfu os fantasmas da guerra.

Guerra que também destruiu em “Ferido Regresso” onde até a árvore mais bela perdeu a folhagem, demonstração clara de que no pais havia pranto, onde Pedro depois de enfrentar um longo e tortuoso caminho finalmente chegou a casa mas tudo estava queimado. (Nambi n’sinha lo wo sasekaa Ni ma tluka Sê mawile Waku komba ku Lani kaya kuni xirilooo, Ndzi fane ni ngwana ya mulungusi yinga luma tinwni mai, Ndzi kwele maganga ndzi yelha munkova ndzita kuma ku lani kya ku pswiléé), mas reparem, mesmo com estes revezes que sofre, mesmo que o seu regresse seja ferido pela guerra que obrigou seus familiares a deslocarem-se, a partir, mesmo que o passado tenha sido desastroso, Pedro pinta um quadro de esperança no sentido de que não podemos nos amarrar a dor, não devemos olhar para ontem senão para buscar forças para enfrentar o futuro.
Na verdade Pedro faz uma ponte entre o passado e o presente no sentido de que por mais duro e sofrido que tenha sido o passado é preciso acreditar no amanhã. Daí que pede que olhem para o seu regresso como prova de que o amanhã pode florir e o “recebam-me meus familiares: (Ndzi yamukeleni va ndueni Malembe yaku tsaka ma twasilé Ndzi yamukeleni maxakó Malembe ya lirhndzo ma fikiléé), é uma mensagem de fé de um homem capaz de encontrar consolo na dor. Pena que o Pedro não viveu o suficiente para ver em parte o que ele predizia, pena que o maldito projéctil não o tenha dado tempo de olhar para seus filhos antes de partir como pedia em uyo mussiya kwini (ni vuyisseleni vana va mina ningatafa ningava vonanga), para os legar ensinamentos.

Chitsondzo é o poeta de pregação do social nu; das tragédias como Katina P, do Xitxuketi onde uma roda-viva de interferência sexual nos expõe e fragiliza, do akuhanha onde o peso da vida nos faz renunciar de poderes até irrenunciáveis como o do médico que foge do paciente, dos polícias que fogem dos criminosos, um Chitsondzo que apela para um conformar-se como quando diz que loko uva kuma va tirha, tirha nawenawu, mesmo quando se sabe que de conformista nada tem.

Em Terehumba Chitsondzo brinca com o social, contando a história de uma menina que usou a caneta e o caderno apenas para contabilizar os homens, menina vovô tal qual definida nas crónicas de João Craveirinha, porque quando seus seios se equiparam a (madinwa sinheni), a frutas numa árvore, já temos a ideia de como estas se apresentam. Esta menina que quando engravida só pensa em abortar e porque o faz em segredo quando a dor começa finge segurar a cabeça, contorcendo a barriga (porque é aqui onde realmente dói mas que não pode segurar porque pode denunciar suas manhas) [a suluvanya hi kwirhi na a kombeta ka nlhoko mamani a ku kuvava lani, ho terehumba, ku vava lani mamani] é o preço que paga quem mal brinca com rapazes (hiku tlanga ni vafavana).

A morte levou os dois primeiros poetas; o Zeca Alage e Pedro Langa, mas, os mesmos vivem e na perspectiva daquilo que eles eram, o álbum vana va ndota é testemunho de que aqueles não morreram e David Macuácua, tem o condão de saber traduzir em letra e espírito as vozes destes poetas que, quanto mais o tempo passa, vão alicerçando os pilares que criaram no nosso comum existir: o gosto e a preferência por eles como uma banda que marcou uma geração e que dá agora sinais de marcar outras gerações, porque quem olha para o público que hoje vai ao Ghorwane, para os jovens que se interessam por este grupo, saberá dizer que não são só os jovens da década 80, mas também os de hoje.

Ghorwane é o grupo onde reside a nossa moçambicanidade, é quem carrega o âmbar da nossa cultura, um grupo que um dia saberei cantar com as pérolas palavras que merece.
Viva Ghorwane, verdadeiro mito de uma geração.