terça-feira, 10 de março de 2009

Crónicas de Alexandre Langa: Madlaya Nhoca


Madlaya Nhoca

Mamani nishi khumile mina
Hiwo nengue lowu
Mayo nishi kumile mina
Hiwo nengue lowu

Ungama kuma madoda mayetlele unga ma pfucha wena
Haikhona

Loku ndzi fulela a ti hindlo vale nima dlaya nhoca
Nitaze nissukela amissava mina nandzo hlupheka

Mamani nishi kumile mina/may vavo nishi kumile mima/nyandayeyo nishi kumile mina

Aku heleliwa hi bonance vali nima dlaya nhoca (…) – Alexandre Langa



Alexandre Langa é um exímio tocador de sino do nosso país. Com suas músicas, sempre soube tocar no mais saboroso e lídimo sabor moçambicano.

Não é por acaso que já foi arranjista das músicas do mestre Fany. Isso para dizer que só alguém com mentalidade de Rei, para assessorar o Rei.

Cresci a ouvir suas músicas e mais, histórias de vida que jamais se apagarão da minha memória. A que hoje vos vou transmitir é fruto desse tempo passado, que teima em assombrar o meu presente; e ainda bem que é assim.

Conta-se que os Régulos de ontem eram verdadeiras autoridades, aliás, só o Induna (Regente), o que em termos de hierarquia vinha logo abaixo do Régulo era uma verdadeira autoridade (quem conheceu o Induna Hubu Hubu de Chibuto, sabe do que falo).

Dizia que os Régulos de ontem eram verdadeiros conhecedores das suas gentes, da sua terra, dos costumes, tradições; autênticos pacificadores, a quem importava, acima de tudo, a concórdia do seu povo e a manutenção dos bons costumes e das boas práticas sociais. Logicamente que tinham seus erros, porque humanos.

No tempo para o qual recuo, os homens passavam entre um ano/ano e meio nas minas e suas mulheres eram deixadas atrás. Vale a pena observar que o adultério naquela altura, não andava em voga como anda hoje; não que não existisse, mas era raro, porque a sociedade era vigilante e severa contra esta prática.
Ora, perante este cenário, como se arranjavam as mulheres, nas suas necessidades e reconhecendo-lhes a fragilidade própria dos Homens?

Porque a família naquele tempo era um instituto a preservar, e para que esta não se corrompesse ou corresse o risco, isto pela ausência dos maridos, o Régulo adoptava esquemas próprios, para manter a sua comunidade em convivência sã e pacífica.

O Régulo tinha seus infiltrados em todas as áreas e, às massungukhatis incumbia, fazer o controlo cerrado das esposas dos homens que estavam nas minas, escutando-lhes as dificuldades, os anseios e, quando se apercebessem que uma, duas ou mais mulheres andavam com os nervos à flor da pele, com intrigas desnecessárias, sempre nervosa e com dores de cabeça típicas, tratavam de comunicar ao Induna e este por sua vez ao Régulo que tinha a missão de mandar um homem para a casa daquela (s) mulher (es) para matar a cobra (dlaya nhoca).

Este homem ia lá no final do dia e matava de facto a cobra (vá lá a mulher ser picada por uma cobra enquanto há homens para matá-la?) e dia seguinte a mulher que andava com nervos à flor da pele, irritadiça e tudo, já estava toda sorridente e já não era foco de tensões.

Nasceu daí a expressão madlaya nhoca, para designar aqueles homens que não iam às minas da África do Sul, lugar onde era reservado a homens viris, para, em terra, ficarem a resolver os problemas fisiológicos das mulheres e mais.

Na verdade, o termo madlaya nhoca (o que mata a cobra) era pejorativo, isto porque, estes homens eram tidos como fracos e, ao mesmo tempo, invejados pelos magaizas que no fundo sabiam que qualquer um deles podia ter passado pelas suas casas, com pretexto de matar a cobra.

Mas se engana quem pense que o madlaya nhoca poderia ser qualquer, pois, estes, eram criteriosamente seleccionados, de tal sorte que não se aceitava, que este, depois de matar a cobra o revelasse a alguém: era um segredo, que deveria levar a cova, isto porque as mulheres tinham seus maridos e, na verdade, o Régulo, com aquela medida, matava um mal maior com o menor (não enveredasse a mulher por esquemas de adultério, quando por algum esquema oficial a podiam oferecer uma espécie de brinquedo, para satisfazer as suas faltas).

Eram, na verdade, esquemas que garantiam uma certa tranquilidade social, uma estabilidade no lar, um arranjo que ante a fragilidade humana, pedia um meio-termo.

E o Alexandre canta esta realidade; na verdade, diz que só pelo facto de ter caducado o seu visto de trabalho (bonanci) “vali nima dlaya nhoca”, o rotulam de “madlaya nhoca.”

Reivindica o Alexandre, o estatuto de homem, pois, a sociedade naquele tempo, tinha no mineiro, o homem típico, onde o resto, não passava de resto.

É só lembrar uma música que andava em voga e o amigo leitor deve se lembrar que dizia”awu yanga djoni bavo/ yi-ó, utsamela ku hala makoko /yi-ó” (não foste a África do Sul, para ficar a raspar a codea na panela). Fica aqui claro, a ideia que se tinha do homem que não ia as minas.

Mas os homens que ficavam em terra tinham a sua importância, tinham a sua tarefa e contributos reais na sociedade.

Vezes sem conta, eram os mesmos que arranjavam as coberturas das palhotas (loku nifulela a ti hindlo vali nima dlaya nhoca), alimentavam com histórias mirabolantes os filhos dos magaizas, povoavam seus imaginários com contos das terras onde seus pais estavam a trabalhar, resolviam os desafios reais do momento, e, meia volta, eram tidos como madlaya nhocas, até, na inevitável situação em que o homem não mais podia retornar as minas, porque caducado o seu visto de trabalho (ni heleliwa e bonanci vali nima dlaya nhoca).

Num gesto de desespero remata e quase a finalizar que “acabarei partindo desta terra a sofrer” (n’taze nissukela a missava na no hlupheka); o que hei-de ver por andar minha mãe, o que hei-de ver por ter nascido/por viver (…mamani nishi kumile mina/hiwo nengue lowu…).

Alexandre nega, com esta música, a perspectiva redutora de que o homem que não ia as minas, não era homem e se homem, um madlaya nhoca, desprezível a quem era incumbido resolver nenhures.

Mas mesmo madlaya nhocas, estes, tinham ou não a sua função social? Era de todo desprezível o trabalho que faziam? Até que ponto, aqueles contribuíram para a estabilização dos lares dos magaizas?

Mais que respostas, apenas questionamentos, porque vale a pena questionar até aonde não se deve.

E mesmo a terminar, porquê não chamar uma outra música de Alexandre que em tempos virou hino não dos madlaya nhocas, mas de magaizas:

Vali nimu djoni djoni mina
Hi ndlala hingaku rhuma djoni bava hi ndlala
Vani tchula nima vitu/hi nldala hingaku rhuma djoni bava hi ndlala
A djoni aniku lavanga/hi ndlala hi ngaku rhuma djoni bava


Como quem diz: não quis ir as minas, a fome é que me obrigou…rotulam-me, dão-me nomes (mamparra magaiza, mafundha djoni, um djoni djoni), mas a fome é que me obriga a ir à África do Sul.

Deve o amigo leitor, perceber que o magaiza, não tinha grandes escolhas e mesmo que essas significassem deixar por trás a família e esposa com todos os riscos, principalmente dos madlaya nhocas.

Amosse Macamo/arranjo de texto do Dr. Julio Mutisse