segunda-feira, 27 de julho de 2009

AS GUITARRAS ESQUECIDAS DE MOÇAMBIQUE

As Guitarras Esquecidas de Moçambique: o preludiar da marrabenta

Assim é o título em Inglês (The forgotten guitars from Mozambique); e quanto a nós, um título a condizer se levarmos em conta que as guitarras lá contidas são de facto esquecidas, tão esquecidas que ninguém se digna a falar delas, mesmo quando se sabe que transcendem os limites dos seus executores, mesmo que guardado neles a gesta da nossa música popular.

São guitarras preludiosas de nomes que embora não muito referenciados, constituem o resguardo da nossa música. Estas guitarras foram captadas nos finais dos anos 50, pelo etnomusicólogo Hugh Tracey, onde desfilam as vozes e guitarras de músicos como: Feliciano Ngomes Mutano, Aurélio Kowano, Andrea Sitole, Nacio Makanda, Américo Kossa, Aurélio jefe, Alberto Mwamosi, Gabriel Bila, Alberto Fulani, Armando Muwane e Mahecuane Makhuvele.

Naquelas guitarras, reside o horizonte proclamado da nossa música contemporânea, o optimismo não apenas da condição do percurso dos guitarristas, mas também uma linha revolucionária cuja expressão de maior fôlego se encontra nas músicas de Feliciano Ngome (aliás, pertence a este, metade das 21músicas que compõem o disco) e Aurélio Khuwano (tem o maior número de músicas logo à seguir ao Feliciano Ngome).

Quando refiro-me a condição de percurso dos guitarristas, tem a ver com o facto de quase todos eles, descenderem da mesma província (Gaza), e acharem-se todos na altura da captação do disco a trabalharem nas minas de Rand, na África do Sul.

Não se pode deixar de lado este facto, porque sabemos (e este disco evidencia as guitarradas), que os guitarristas nascidos em Chibuto são em regra, exímios tocadores e que se diga, autodidactas e mais curioso ainda, o facto de todos terem aprendido a tocar com as Guitarras de lata de azeite e sempre se dirá que África do Sul era o espaço de iniciação da vida adulta destes guitarristas, espaço de intercâmbio e de alguma competição.

Quem procurar trato vocal apurado no disco, talvez não encontre, (salvo a excepção do Feliciano Ngome Mutano que tinha um trato de voz fino e apurado, digo, meticuloso) mas o pecúlio das vozes tipicamente nossas, as guitarradas, a temática (sátira e amores não bem resolvidos) que se aborda, e os sinais que se dão, em termos de execução rítmica já apontavam para o estilo próprio que se desenhava (marrabenta) e que se diga, nas músicas de Feliciano, Aurélio e Mahecuane, já se mostra concebido o ritmo, aliás, numa das músicas (Kodwa aswibassanga), o Feliciano enuncia a marrabenta, como estilo de música que fazia.

De facto quem escutas as músicas de Feliciano Ngome, e Aurélio Khuwano, sente a perenidade interferente da gesta da marrabenta, o compasso, o ritmo vibrante e pulverizador ainda que abstracto e latente.

As vibrações bem conseguidas de cordas daquelas guitarras, o ritmo sempre contagiante, a deixa das falas (do nosso saber linguístico) sempre por analisar, o fulgor, o alcance estético, o fascínio.

Um disco que se deve ouvir e atentamente, porque numa análise ainda que não especializada, percebe-se por exemplo nas cordas do Feliciano, o traço de José Mucavele, de Eusébio Johane Tamele (sobretudo na combinação entre a guitarra e a voz), dos Gallotones (Abílio Mandlaze), da música tradicional Chope, nas lucubrações de Khuwano a marca de Xidiminguana, em Wamusse o fio do Manjacaziano Alberto Mhula, Lisboa Matavele, etc.

O ritmo contagiante da música “Maluzano” (Aurélio Kowano e Alberto Fulani, uma dupla de se tirar o chapéu), esta Maluzano que é uma Nwahulwana (noctívaga) ou então de “Halakavuma” que conta a história do pangolim que desceu na machamba de Mbulu, Bilene, na altura sob jurisdição do Induna Mandjondjo, mesmo se sabendo que o pangolim serve de intróito, aliás nem é o regulado o tema principal, mas sim a Elisa Ntxanwane (música esta que foi interpretada pela Orquestra Djambo 70), que “ndzhaku ni ferente swo fana” (mulher sem atributos físicos de tal sorte que se confunde a parte frontal com a traseira, isto na zona da cintura para baixo.)

Ou então a “uta rungula wamamane lekaya, que é um verdadeiro hino as guitarradas (mas sobre a temática deste disco, prometo ainda fazer um post.)

Sempre se dirá, que vivem naquelas guitarras a nossa moçambicanidade, a nossa espontaneidade, perspectiva de progresso da nossa música, a nossa militância tanto que nação que acredita na sua cultura, a nossa feição naturalista e inspirada, nossa providência, nossas contingências, nossa força espiritual, nosso testamento filosófico.

Temos passado sim, um passado musical igual a nós: homens de tempera rija, de perfeição concebível, de um ideal de luta imanente, de sons que suprem nossas impotências, nossas dores e misérias, nossos mitos, nossas odes.

Aquelas guitarras, ainda que esquecidas, somos nós em ponto maior e a nossa missão hoje, é resgatá-las, para que não sejam nunca as “guitarras esquecidas de Moçambique; é mostrar que temos um passado cultural e que é preciso preservá-lo.”

Viva a República, digo, a cultura.

Amosse Macamo