quarta-feira, 3 de setembro de 2008


10 anos depois: Arão Litsuri com a mesma cítara
Notícias 5 de Dezembro de 2007
Chegou a casa - num dia desses - com uma guitarra na mão, surpreendendo a mãe que nem sabia de onde o filho trazia aquele instrumento. Que se transformaria mais tarde numa espécie de chave. De ouro. Para abrir portas sagradas que deixariam passar aquele que viria a tornar-se num dos maiores músicos do nosso país. Arão Litsuri era nessa altura um fedelho. Conquistou a sua progenitora. Particularmente naquele dia. Ficando com ela horas e horas cantando juntos. A mãe – já falecida – era uma grande compositora, apesar de não ter sido muito conhecida por esses feitos, limitando-se aos círculos religiosos por onde ela passava. Ela libertou do seu ventre – para a luz - um filho de elevada estatura. Que passou pelo Duo Seara, Trio Hortêncio Langa, Arão Litsuri e João Cabaço e pelo fenomenal Alambique. Também Arão seguiu – como Abraão seguiu a voz de Deus que lhe mandava ao Egipto para libertar os filhos de Israel – as peugadas do seu pai: pastor da Igreja Congregacional. Formou-se em Teologia no Zimbabwe, onde esteve a estudar durante seis anos. E hoje é reverendo dessa mesma Igreja. Canta sempre na Casa do Senhor. Canta pouco – ultimamente – nos palcos. E Djeko já lhe disse uma vez: tens a voz masculina mais bonita deste país. E Arão recusa-se a aceitar isso. Ele diz que uma das maiores vozes deste país é de João Cabaço e do próprio Djeko. Está atento aos desenvolvimentos musicais do seu país e considera que os jovens que hoje aparecem estão bem naquilo que eles escolheram fazer. A música moçambicana tem altos e baixos, considera o reverendo, mas neste momento, de acordo com a sua observação, está no pico. Ele é também uma pessoa mais ou menos discreta, provavelmente pelo carácter que bebeu do pai. E isso sente-se quando está no palco e na vida. Arão Litsuri surpreende—nos agora com um livro. Com carácter religioso: “Há Negros na Bíblia?” É uma obra a ser lançada no mesmo dia em que vai tocar para apresentação do seu disco, no dia 13. E será uma surpresa para muitos esta veia literária do autor da cristalina música Malangavi Ya Ndzilo. Um livro que poderá levantar intensos debates salutares à volta da provável intervenção de africanos na elaboração dos escritos bíblicos. É um livro, portanto, que levanta questões. É um desafio. Um estudo de uma parte da trajectória de Deus. Pois é: Arão oferece-nos um disco compacto (CD) com o título: Arão Litsuri: dez anos depois. Dez anos depois de quê, se Arão Listuri canta há mais de trinta anos? Mas ele vai nos explicar isso e outras coisas nesta entrevista que se segue. Para nos falar dos seus passos, e recordar-nos que a cítara espiritual que recebeu da sua mãe, ainda se mantém na sua mão e na sua alma: a mesma cítara.
- 10 anos depois de quê, Arão Litsuri?
- Dez anos depois de ter saído de Moçambique para ir estudar no Zimbabwe. Voltei aqui para fazer algumas tarefas no âmbito da Igreja e, depois de eu ter voltado foi então quando fiz este concerto. Portanto, são dez anos depois da interrupção do Alambique.
- Por falar do Alambique, depois daqueles dois espectáculos que deram em Maputo, ficou a promessa de gravarem um disco. Em que fase se encontra esse projecto?
- Não deixamos uma promessa. O que aconteceu é que alguém gravou o espectáculo todo e ele disse que trabalharia para que se editasse em disco aquele show ao vivo. Por aquilo que eu sei a maqueta está pronta e tem qualidade. O que falta é encontrar alguém ou uma instituição para patrocinar a edição.
- Será portanto um disco de um espectáculo gravado ao vivo!
- Sim, mas é bom notar que o Alambique não prometeu nada, porque sabe que o processo é muito complicado, mas o material está lá e é muito bom, muito bom mesmo.
- Para além do Alambique fez parte dum grupo que não tinha nome. Porquê que nunca deram nome a esse trio que era composto por Hortêncio Langa, Arão Litsuri e João Cabaço?
- Este conjunto tinha nome. Esse nome era Hortêncio Langa, Arão Litsuri e João Cabaço. Nós adoptamos esse estilo e chamamos ao nosso trio Hortêncio Langa, Arão Litsuri e João Cabaço.
- Mas essa opção não era porque cada elemento da banda tinha a sua própria linha?
- Não necessariamente por isso. Nós o que estávamos a fazer era seguir uma linha. Há uma série de grupos, sobretudo duos e trios que davam ao grupo o nome de cada elemento. É verdade que cada um vinha com a sua experiência musical, isso é verdade, mas não foi bem por isso que optamos por essa linha.
- Para além dos temas que constam em Arão Litsuri: Dez anos depois, o quê que nos reserva mais para este espectáculo?
- Basicamente vou expor os temas que fazem parte deste disco. Vou convidar alguns músicos importantes na minha carreira, como o trio de que estávamos a falar (Hortêncio Langa, Arão Litsuri e João Cabaço). Vou convidar também jovens que estão na ribalta no género que eu toco e que me acompanham (Jomalu, Alfa Magaia, El Sal, Cadinho). No CD fazem ainda parte Joaquim, Naldo, Acácio e Osvaldo). Este vai ser um condimento e mais surpresas que nós preparamos e, para não deixarem de ser surpresa, eu não vou dizer.
- Como é que estão as relações do trio Hortêncio Langa, Arão Litsuri e João Cabaço?
- Sempre quando a gente se encontra, a frase que cada um lança é: epá, quando é que vamos tocar juntos e fazer um espectáculo? Portanto isso é para mostrar que ainda continuamos ligados, apesar das actividades diversas que cada um de nós tem. Há sempre no fundo de nós aquela vontade de nos juntarmos e fazermos alguma coisa e este espectáculo vai ser uma oportunidade de nos juntarmos uma vez mais. Será por poucos momentos mas estaremos lá.
- Nunca teve preconceitos por ser Reverendo duma igreja e aparecer nos palcos?
- Para mim não há preconceitos desse género, porque e olho para mim de uma forma global. Eu tenho várias actividades que as considero importantes na sociedade. A música é importante, o trabalho religioso é importante, outros trabalho que sou convidado a fazê-los são importantes, portanto não vejo problemas nenhuns em aparecer no palco e actuar. Claro que eu sei que há pessoas que podem estar a pensar que não, que ele não devia estar ali no palco, mas eu penso que eles estão se habituando a esta personalidade multifacetada do Arão Listsuri e julgo que estão a aceitar.
- Está completamente a vontade?
- Eu estou a vontade. Não estaria a vontade se eu estivesse a fazer algo de mal e aí eu procuro - quando temos certas “capas” ou chapéus – andar com um certo cuidado para não desvirtuarmos as posições que temos e eu julgo que estas actividades que eu tenho vindo a fazer não desvirtuam, pelo contrário, mostrtam um Arão Listuri real, que fez isto, que fez aquilo, que fez aquiloutro.
- Indo ao seu disco, sentimos um grande comprometimento – da sua parte - com o blues e o jazz, porquê?
- Porque eu venho de uma geração que ouviu muito esse estilo de música. O blues – falou muito bem – o rock também aparece. Mas é bom mencionar que no fundo desses estilos todos está a música tradicional africana. Nós encontramos ali o nondje – que é a influência da Companhia Nacional de Canto e Dança (CNCD), no tempo em que eu estive lá, encontramos o munganda, que é a influência daquilo que eu vivi durante a minha permanência na CNCD. Mas é verdade aquilo que dizes, porque ouvíamos o blues, o rock e outros estilos musicais. Eles foram condimentados para dar uma vertente que é uma proposta eu faço neste CD.
- Então há uma exaltação ao blues e ao rock!?
- Eu não diria isso. Claro, quando nós ouvimos uma música, cada um tem a sua percepção. Mas muitas vezes o autor quando faz, ou o compositor neste caso, ele também tem a sua intenção. De facto peguei na base rítmica moçambicana. É preciso estar muito atento, porque mesmo nos ritmos da guitarra surgem batucadas. Quando tiras a harmonia tens que ouvir o que a guitarra está a fazer. Vais perceber que afinal tens um ritmo tradicional africano e é muito difícil perceber isso, mas está lá e os musicólogos podem estudar e encontrar isso.
- No dia do lançamento do disco, será lançado igualmente o seu livro: Há negros na Bíblia. Fale-nos um pouco sobre o alcance deste projecto.
- Quem for a ler o livro vai perceber os motivos que me levaram a elaborar este obra. Durante os meus estudos senti que há uma falta sobre a contribuição da África na bíblia, porquê? Porque nós temos visto por exemplo que Abraão emigrou para o Egipto e Egipto é África. Jesus Cristo também esteve refugiado em África. Portanto muitos líderes do povo de Israel daquele tempo passaram por África. A formação da Nação de Israel, o berço, nós diríamos que foi exactamente em África (Egipto). Então, logicamente tinha que haver uma ligação que está escondida ou que não está a ser realçada e esta é a proposta de discussão sobre se há negros na bíblia ou não. É uma tentativa de pesquisar e ver se de facto África teve alguma influência ou não nos escritos bíblicos.
- Não é um livro que nos traz conclusões?
- Não é um livro que nos traz conclusões. Traz algumas propostas de soluções, e que estão abertas para discussão. Mas quem for a ler o livro dificilmente vai descordar com algumas das conclusões que são apresentadas como propostas.
- Ao lançar este livro faz-nos lembrar que Arão Litsuri faz tudo na vida com Deus como suporte. Estaremos certos?
- Eu diria muito mais. Não só eu como pessoa. Acho que todos nós estamos directa ou indirectamente incluídos no suporte de Deus, deixando aqueles que se declaram ateus. Os demais incluem-se também no suporte de Deus naquilo que fazem na vida, duma forma genérica. Agora no meu caso específico, sim eu tenho de facto tentado relacionar a minha vida com a crença que eu tenho, com a fé que eu tenho Posso falhar aqui e acolá, logicamente, mas a tentativa de luta é essa. Que tudo que eu faça seja guiado por Deus.
- Também tem fortes influências dos seus pais, da sua mãe em particular, no que diz respeito a música...
- É verdade, porque meu pai foi pastor, deu-me uma oportunidade de crescer dentro do ambiente religioso. A minha mãe era uma grande compositora. Não foi conhecida como tal, mas dentro do círculo das pessoas com quem viveu, conheceram a ela como boa compositora e maestro também. Então eu lembro-me que a primeira vez que eu pego numa guitarra, trago para casa e toco. A minha mãe ficou horas a cantar comigo na guitarra, portanto tenho essas influências.
- E tem uma “dívida” a pagar à sua mãe, com aquela música: Malangavi Ya Ndzilo. Essa música é dela...
- Exactamente. E eu faço questão de mencionar isso aí no disco. Ela fez uma composição que cantou com o estilo logicamente daquele tempo religioso e eu peguei nesse tema e trabalhei e fiz aquilo que é o Malangavi hoje e é preciso dar uma homenagem a ela. E a minha mãe faleceu.
- Falar de Arão Litsuri é falar de uma figura portentosa, mas que nunca foi à escola de música, apesar de ser um grande músico...
- Nós nunca fomos a escola de música. Claro o Hortênco Langa está agora na universidade a estudar, mas tivemos sempre a oportunidade de ouvir muito, porque a escola da vida, a escola prática, também é uma escola. Foi ouvindo diversos estilos de música que crescemos. Isso nos ajudou a estar bem informados musicalmente e isso aliado a prática, ao exercício. Nós ensaiávamos muito naquela altura. Também tínhamos muito tempo e neste processo nós fomos nos interessando por alguns escritos na área musical. Eu li muito: introdução à música, a composição, interpretação, harmonia, as melodias... então sem ir a carteira, hoje me considero diferente daquele músico Arão Litsuri dos anos 80.
- Arão aprece poucas vezes nos palcos. Isso não poderá afectar, de alguma forma, a sua performance?
- Boa pergunta essa. Acho que um músico devia aparecer regularmente. Vai ver que houve um período que eu não podia fazer isso. Hoje vai depender das oportunidade que surgirem à frente. Agora tenho algum tempo para me dedicar também a prática musical.
ALEXANDRE CHAÚQUEFonte
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