segunda-feira, 9 de novembro de 2009

ELSA MANGUE

Elsa Mangue

Elsa Mangue é uma mulher de sentimentos intensos, de uma espiritualidade angustiante e sentimental.

É curioso verificar que a Elsa, canta os seus prantos, e penso que não para os espantar, mas, para tentar percebé-los.

É que, a Elsa, é uma mulher sofrida, sofrimento este, que ela deixa transparecer nas suas músicas, um sofrimento que se detecta em cada verso e palavra cantada, um sofrimento que se nega a morrer, isto porque ainda vive o sujeito da acção: a Elsa Mangue.

Para mim, a Elsa canta na primeira pessoa, sim, todo o seu discurso responde aos seus problemas, aos seus questionamentos, e é importante realçar que a sua dor não morre, pelo contrário, transita de música em música, é resistente, permanente, emerge a qualquer altura.

Na música “Fim da estrada”, várias foram as vezes que a Elsa, (tomada pela emoção, pelas lembranças sempre recentes da sua vida, pela dor que incomoda e traz a superfície coisas invisíveis), chorou. E chorou justamente porque ao cantar a música, ela, revive o problema que canta tal e qual o faz quando canta que ”...siku leli kaya unga lava kuni txukumeta/ murhandziwa wanga, indje wa khumbuka wena?, passando a ideia de que ”lembras-te do dia que quiseste me atirar? Lembras-te meu amor?

Aquele pronunciamento sugere mágoa, mas sugere acima de tudo um momento do passado que a Elsa quer a todo custo tomar como passado (lembras-te), mas quem repara no que ela diz logo à seguir, percebe que o seu amor não é nada do passado e é fácil perceber quando ela questiona “lembras meu amor?”

Caso para afirmar, tão longe, mas tão perto. Na verdade, Elsa nunca esqueceu este homem, aliás, a Elsa pertence a geração de “um só homem”, na vida de uma mulher.

A Elsa não faz a viragem, e nem se permite que ela aconteça, pois, quando pensamos que ela canta para exorcizar a dor e por isso mesmo esquecer, na próxima música, a temática volta e com a mesma carga de intensidade e emotividade próprios de quem chora constantemente, de quem diz “Tindjombo lava kandzaka, vatitsamela niva nkatavu kaya(/sortudos os que conseguem manter um lar, vivem felizes), não foi por acaso, que a Elsa escolheu esta música, do Rei Fany Mpfumo (no disco ao seu tributo), porque esta, reflecte o que ela pensa.

Elsa vive uma vida muito encolhida, encolhimento este que não a permite olhar para si e acreditar que é uma das melhores fazedoras da nossa música, que é dona de uma voz meticulosa, traçado com precisão notável, sensível, e que se exprime de um modo singular, uma voz que se deleita, uma voz que surpreende pela sua cor e valor.

Vejam que Elsa e mesmo para atestar que ela não esqueceu o anterior companheiro,em “Joshua” dá recados no sentido de que se queres falar comigo venha de dia e não de noite....vens a noite para me enganar pela segunda vez? (lakuta ka mina, ungati niwu siku uzama zama kuni phazamissa ulava ku phinda ka umbirhe...).

Se estivesse segura da decisão de passar este homem para trás seria indeferente que este homem viesse de dia e/ou de noite, porque passado, mas ela adverte: venha de dia se queres falar, e justamente porque ela sabe que a noite pode fraquejar.

Mas se pensam que é precipitada a minha conclusão, caminhemos juntos para uma outra música, em que ela diz “...ni ta famba hi kwini kaya ka mamani....ni kwatissiwa hi lweyi waku tsuka ani gwela ku hunguka ingu o tsuka ani kuma nani hlongolissa ndlela” (entristeçe-me que alguém me chame de louca, como se alguma vez tivesse me encontrado a vaguear e/ou a caminhar sem destino).

Para dizer que ainda lhe incomoda o facto de o ex, a chamar nomes. Numa outra música diz “wagwira munghana wa mina...vuya nitaku gwela ku duma ka hloko ya mu pfana lweyo....”, onde a Elsa, quando se apercebe que a “outra” que preencheu seu lugar tenta se meter com ela sugere um encontro para a esclarecer o quão difícil é compreender a cabeça do homem que ela tem como marido.

Mas se alguém pensa que este facto retira o carâcter estético das músicas da Elsa engana-se, aliás, este exercício, foi em parte, para defender a tese de que a Elsa canta na primeira pessoa.

Sim, a Elsa é tão verdadeira quando canta, é tão reflexiva, tão precisa, tão doce e original, porque não canta coisas contadas, canta sua vida (amargurada), na primeira pessoa.

Podia me alongar mais, contudo, chamo a sua voz mesmo que no pensamento para continuar a alisar o meu coração, para trepar os ramos mais altos e frágeis do meu coração, para me banhar de lágrimas e mesmo que ninguém as veja.

Longa vida a Elsa, e, tomara que uma destas empresas que dá ao acaso quando se trata da verdadeira música moçambicana a contemple um dia porque ela merece.

P.S. deixe-me lembrar o meu avó que dizia que a “música desta mulher tem sal”. E não tem?