terça-feira, 31 de março de 2009

Mingas, a Diva

Mamani
Hambi no vona waku ni nyoxissa
Timbilu to banana loku ndzi dzimuka wene mamani

Lava hinkwavo valanguiwike hi mbilu yanga
Akwaku ava lunganga mamani

Oh hiyo io io io io

Niza ni tsama lani ni siku lani niya tsama le
Nani navela ku zhulissa moya wanga mamani

Oh hiyo io io io io

Oh mamani

Kassi udjula niku yini mamani
Swaku nienctha hikuni tsotsitela swanga nova ngwana
Swaku nienctha hikuni possita, swanga nova papela
Swaku yientcha hikuni chavissa swanga nova mpahla mamani

Nili vona hi wene’/nili vona hi wene/nili vona hi wene mamani
-Mingas



Mingas; a diva

Mingas é uma voz feminina de alcance estético inigualável. Uma voz que me lembra a harmonia do voo e canto dos pássaros; sim, o encantador voo livre, sem ruídos, sem acidentes, sem tombos; deslumbrante como o último fio de luz do sol que o pássaro atravessa.

Uma voz fresca, intima, de um existir autêntico, explicita, permanente, sólida, que sabe tirar partido de suas falas.

Bom, dirá o amigo leitor que é muita poesia para classificar uma única voz e concordo.

Hesitei muito para escrever sobre Mingas, pois, não reconheço em mim propriedade, para falar de uma poetisa de rigor como ela.

Atravessam-me agora arrepios: mas porque comecei? Agora já não tem volta: devo levar esta tarefa até ao fim.

Numa sociedade como a nossa, exageradamente simplista nas análises e nas categorizações, em que qualquer cantora é considerada e/ou se considera diva, me questiono o que será a Mingas?

A tensão que a resposta carrega, impede-me de dizer metade do que ela seja porque, tal como nas primeiras palavras em que a tentei descrever, dirão: poesia.

Hoje, mais do que a tentativa de dizer quem é a Mingas, escolhi uma canção de nomeação cuja carícia de voz me empolga; trata-se de mamani.

Mamani, simboliza o eterno conflito das mães quererem mandar nos amores das suas filhas (filhos). Em mamani, Mingas questiona: o que queres que eu faça minha mãe? (U djula niku yini mamani?)

Este questionamento põe a descoberto, um pássaro que se quer libertar mas, ao mesmo, sente que não está pronto para o voo. É a voz de uma filha que quer contestar, mas sabe que deve ouvir a voz da razão: a voz materna.

Este questionamento é a queda de uma gota de quem reclama o seu próprio espaço, o livre arbítrio, um visível existir que a mãe a nega, tudo porque sua filha e, logo, com dever de ouvir sua voz.

“O que queres que eu faça mãe, porque, mesmo que encontre quem me agrada, meu coração bate quando me lembro de si (hambi no vona…..)

Um dos traços mais evidentes da sociedade e época em que cresceu a Mingas (falo da sua juventude), tem a ver com a valorização extrema da figura materna que encarna(va) toda a sabedoria, experiência, uma imagem dominante do social, onde as filhas tinham pouco ou nada a dizer na escolha das suas relações afectivas.

Mas esta mulher que Mingas retrata, já tenta, embora não contrariando, questionar esta sociedade quando diz a mãe que “chegas ao ponto de me atiçar como se fosse cão, me envias como de papel me tratasse, e me vendes, como se de roupa me tratasse!”

Ora, não há dúvidas, que esta música é a negação da perspectiva redutora da mulher, da tendência super protectora das mães, dos postulados de extremos em nome do bem-estar dos filhos quando, muitas vezes, o bem-estar pode evocar abismo.

O que queres que eu faça mãe, se meu coração me diz o contrário?

Bom, esta pergunta a Mingas não a lança explicitamente, mas o seu canto, tange a isso, porque seus olhos, seu coração, seu desejo irreprimível de mulher, a indica uma direcção, quando a mãe, quer que ela vá noutra.

Feliz ou infelizmente, grosso de mulheres da geração da Mingas, aceita todos os opróbrios ao lado de um homem que as espezinha por completo, isto porque as mães, mesmo que nessa condição, as convencem de que aqueles são seus homens, quando na verdade são os homens que as mães escolheram para elas.

Este sentimento, está patente na música quando a Mingas, segura de si, diz a Mãe Nili vona hi wene’/nili vona hi wene/nili vona hi wene mamani, no sentido de que olhe o exemplo que és mãe, achas te mulher feliz? Agiu certo a sua mãe em escolher o marido para si? A sua vida de prantos demonstra o contrário, agora; como podes querer o mesmo para mim mãe?

Mamani é um hino contra a repressividade e autoritarismo desse tempo em que as mães ordenavam e as filhas, cegamente, obedeciam numa situação que em nada que se parece com o modernismo que se vive hoje, onde o sonho, a ideia do sexo descomprometido, a ferrada romântica, a ideia de liberdade, não deixam que os pais opinem, tanto mais mandarem no amor dos filhos.

Bom fica aqui em mamani a ideia de oscilação entre dois períodos; um de autoritarismo, mas que mantinha coeso a família, outro de liberdade que hoje se vive mas que a fragiliza.

Mas talvez o mais importante nesta música seja a forma sofrida com que a dona a trata. De um timbre que impõe luta, Mingas vai fazendo desta, dor das demais mulheres, vai celebrando sua dor com o canto, e traída pelo sopro majestoso do Matchote não se contém e chora, mesmo que no silêncio, yio, hio, yó yó yó, yo yo mamane/kasse u djula niku yini mamani “o que queres que eu faça mãe?”

Mingas é sim uma diva, uma verdadeira diva, de têmpera rija, de encanto no canto, meu rouxinol em noites sofridas.

Amosse Macamo
Arranjo do texto: Dr. Júlio Mutisse, o Subversivo.