As Guitarras Esquecidas de Moçambique: o preludiar da marrabenta
Assim é o título em Inglês (The forgotten guitars from Mozambique); e quanto a nós, um título a condizer se levarmos em conta que as guitarras lá contidas são de facto esquecidas, tão esquecidas que ninguém se digna a falar delas, mesmo quando se sabe que transcendem os limites dos seus executores, mesmo que guardado neles a gesta da nossa música popular.
São guitarras preludiosas de nomes que embora não muito referenciados, constituem o resguardo da nossa música. Estas guitarras foram captadas nos finais dos anos 50, pelo etnomusicólogo Hugh Tracey, onde desfilam as vozes e guitarras de músicos como: Feliciano Ngomes Mutano, Aurélio Kowano, Andrea Sitole, Nacio Makanda, Américo Kossa, Aurélio jefe, Alberto Mwamosi, Gabriel Bila, Alberto Fulani, Armando Muwane e Mahecuane Makhuvele.
Naquelas guitarras, reside o horizonte proclamado da nossa música contemporânea, o optimismo não apenas da condição do percurso dos guitarristas, mas também uma linha revolucionária cuja expressão de maior fôlego se encontra nas músicas de Feliciano Ngome (aliás, pertence a este, metade das 21músicas que compõem o disco) e Aurélio Khuwano (tem o maior número de músicas logo à seguir ao Feliciano Ngome).
Quando refiro-me a condição de percurso dos guitarristas, tem a ver com o facto de quase todos eles, descenderem da mesma província (Gaza), e acharem-se todos na altura da captação do disco a trabalharem nas minas de Rand, na África do Sul.
Não se pode deixar de lado este facto, porque sabemos (e este disco evidencia as guitarradas), que os guitarristas nascidos em Chibuto são em regra, exímios tocadores e que se diga, autodidactas e mais curioso ainda, o facto de todos terem aprendido a tocar com as Guitarras de lata de azeite e sempre se dirá que África do Sul era o espaço de iniciação da vida adulta destes guitarristas, espaço de intercâmbio e de alguma competição.
Quem procurar trato vocal apurado no disco, talvez não encontre, (salvo a excepção do Feliciano Ngome Mutano que tinha um trato de voz fino e apurado, digo, meticuloso) mas o pecúlio das vozes tipicamente nossas, as guitarradas, a temática (sátira e amores não bem resolvidos) que se aborda, e os sinais que se dão, em termos de execução rítmica já apontavam para o estilo próprio que se desenhava (marrabenta) e que se diga, nas músicas de Feliciano, Aurélio e Mahecuane, já se mostra concebido o ritmo, aliás, numa das músicas (Kodwa aswibassanga), o Feliciano enuncia a marrabenta, como estilo de música que fazia.
De facto quem escutas as músicas de Feliciano Ngome, e Aurélio Khuwano, sente a perenidade interferente da gesta da marrabenta, o compasso, o ritmo vibrante e pulverizador ainda que abstracto e latente.
As vibrações bem conseguidas de cordas daquelas guitarras, o ritmo sempre contagiante, a deixa das falas (do nosso saber linguístico) sempre por analisar, o fulgor, o alcance estético, o fascínio.
Um disco que se deve ouvir e atentamente, porque numa análise ainda que não especializada, percebe-se por exemplo nas cordas do Feliciano, o traço de José Mucavele, de Eusébio Johane Tamele (sobretudo na combinação entre a guitarra e a voz), dos Gallotones (Abílio Mandlaze), da música tradicional Chope, nas lucubrações de Khuwano a marca de Xidiminguana, em Wamusse o fio do Manjacaziano Alberto Mhula, Lisboa Matavele, etc.
O ritmo contagiante da música “Maluzano” (Aurélio Kowano e Alberto Fulani, uma dupla de se tirar o chapéu), esta Maluzano que é uma Nwahulwana (noctívaga) ou então de “Halakavuma” que conta a história do pangolim que desceu na machamba de Mbulu, Bilene, na altura sob jurisdição do Induna Mandjondjo, mesmo se sabendo que o pangolim serve de intróito, aliás nem é o regulado o tema principal, mas sim a Elisa Ntxanwane (música esta que foi interpretada pela Orquestra Djambo 70), que “ndzhaku ni ferente swo fana” (mulher sem atributos físicos de tal sorte que se confunde a parte frontal com a traseira, isto na zona da cintura para baixo.)
Ou então a “uta rungula wamamane lekaya, que é um verdadeiro hino as guitarradas (mas sobre a temática deste disco, prometo ainda fazer um post.)
Sempre se dirá, que vivem naquelas guitarras a nossa moçambicanidade, a nossa espontaneidade, perspectiva de progresso da nossa música, a nossa militância tanto que nação que acredita na sua cultura, a nossa feição naturalista e inspirada, nossa providência, nossas contingências, nossa força espiritual, nosso testamento filosófico.
Temos passado sim, um passado musical igual a nós: homens de tempera rija, de perfeição concebível, de um ideal de luta imanente, de sons que suprem nossas impotências, nossas dores e misérias, nossos mitos, nossas odes.
Aquelas guitarras, ainda que esquecidas, somos nós em ponto maior e a nossa missão hoje, é resgatá-las, para que não sejam nunca as “guitarras esquecidas de Moçambique; é mostrar que temos um passado cultural e que é preciso preservá-lo.”
Viva a República, digo, a cultura.
Amosse Macamo
Assim é o título em Inglês (The forgotten guitars from Mozambique); e quanto a nós, um título a condizer se levarmos em conta que as guitarras lá contidas são de facto esquecidas, tão esquecidas que ninguém se digna a falar delas, mesmo quando se sabe que transcendem os limites dos seus executores, mesmo que guardado neles a gesta da nossa música popular.
São guitarras preludiosas de nomes que embora não muito referenciados, constituem o resguardo da nossa música. Estas guitarras foram captadas nos finais dos anos 50, pelo etnomusicólogo Hugh Tracey, onde desfilam as vozes e guitarras de músicos como: Feliciano Ngomes Mutano, Aurélio Kowano, Andrea Sitole, Nacio Makanda, Américo Kossa, Aurélio jefe, Alberto Mwamosi, Gabriel Bila, Alberto Fulani, Armando Muwane e Mahecuane Makhuvele.
Naquelas guitarras, reside o horizonte proclamado da nossa música contemporânea, o optimismo não apenas da condição do percurso dos guitarristas, mas também uma linha revolucionária cuja expressão de maior fôlego se encontra nas músicas de Feliciano Ngome (aliás, pertence a este, metade das 21músicas que compõem o disco) e Aurélio Khuwano (tem o maior número de músicas logo à seguir ao Feliciano Ngome).
Quando refiro-me a condição de percurso dos guitarristas, tem a ver com o facto de quase todos eles, descenderem da mesma província (Gaza), e acharem-se todos na altura da captação do disco a trabalharem nas minas de Rand, na África do Sul.
Não se pode deixar de lado este facto, porque sabemos (e este disco evidencia as guitarradas), que os guitarristas nascidos em Chibuto são em regra, exímios tocadores e que se diga, autodidactas e mais curioso ainda, o facto de todos terem aprendido a tocar com as Guitarras de lata de azeite e sempre se dirá que África do Sul era o espaço de iniciação da vida adulta destes guitarristas, espaço de intercâmbio e de alguma competição.
Quem procurar trato vocal apurado no disco, talvez não encontre, (salvo a excepção do Feliciano Ngome Mutano que tinha um trato de voz fino e apurado, digo, meticuloso) mas o pecúlio das vozes tipicamente nossas, as guitarradas, a temática (sátira e amores não bem resolvidos) que se aborda, e os sinais que se dão, em termos de execução rítmica já apontavam para o estilo próprio que se desenhava (marrabenta) e que se diga, nas músicas de Feliciano, Aurélio e Mahecuane, já se mostra concebido o ritmo, aliás, numa das músicas (Kodwa aswibassanga), o Feliciano enuncia a marrabenta, como estilo de música que fazia.
De facto quem escutas as músicas de Feliciano Ngome, e Aurélio Khuwano, sente a perenidade interferente da gesta da marrabenta, o compasso, o ritmo vibrante e pulverizador ainda que abstracto e latente.
As vibrações bem conseguidas de cordas daquelas guitarras, o ritmo sempre contagiante, a deixa das falas (do nosso saber linguístico) sempre por analisar, o fulgor, o alcance estético, o fascínio.
Um disco que se deve ouvir e atentamente, porque numa análise ainda que não especializada, percebe-se por exemplo nas cordas do Feliciano, o traço de José Mucavele, de Eusébio Johane Tamele (sobretudo na combinação entre a guitarra e a voz), dos Gallotones (Abílio Mandlaze), da música tradicional Chope, nas lucubrações de Khuwano a marca de Xidiminguana, em Wamusse o fio do Manjacaziano Alberto Mhula, Lisboa Matavele, etc.
O ritmo contagiante da música “Maluzano” (Aurélio Kowano e Alberto Fulani, uma dupla de se tirar o chapéu), esta Maluzano que é uma Nwahulwana (noctívaga) ou então de “Halakavuma” que conta a história do pangolim que desceu na machamba de Mbulu, Bilene, na altura sob jurisdição do Induna Mandjondjo, mesmo se sabendo que o pangolim serve de intróito, aliás nem é o regulado o tema principal, mas sim a Elisa Ntxanwane (música esta que foi interpretada pela Orquestra Djambo 70), que “ndzhaku ni ferente swo fana” (mulher sem atributos físicos de tal sorte que se confunde a parte frontal com a traseira, isto na zona da cintura para baixo.)
Ou então a “uta rungula wamamane lekaya, que é um verdadeiro hino as guitarradas (mas sobre a temática deste disco, prometo ainda fazer um post.)
Sempre se dirá, que vivem naquelas guitarras a nossa moçambicanidade, a nossa espontaneidade, perspectiva de progresso da nossa música, a nossa militância tanto que nação que acredita na sua cultura, a nossa feição naturalista e inspirada, nossa providência, nossas contingências, nossa força espiritual, nosso testamento filosófico.
Temos passado sim, um passado musical igual a nós: homens de tempera rija, de perfeição concebível, de um ideal de luta imanente, de sons que suprem nossas impotências, nossas dores e misérias, nossos mitos, nossas odes.
Aquelas guitarras, ainda que esquecidas, somos nós em ponto maior e a nossa missão hoje, é resgatá-las, para que não sejam nunca as “guitarras esquecidas de Moçambique; é mostrar que temos um passado cultural e que é preciso preservá-lo.”
Viva a República, digo, a cultura.
Amosse Macamo
17 comentários:
Amosse, gostaria imenso de ouvir essas guitarradas desses guitarristas por mim desconhecidos. Alias, acho que sendo toques de tempos ja idos, deviam figurar em algum registo discografico para conhecimento de todos.
Ao manterem-se esquecidas, certamente essas guitarras de Moçambique serao perdidas!!!
minha madrinha, ha quanto tempo!
nao se preocupe tenho o disco guardado para si, alias, para todos membros da blogosfera comprometidos com a causa. o que mais me intriga neste disco,eh que desde que foi produzido (decada 50)eh vendido ate hoje fora do pais.
mas o mais interessante neste disco, 'e a questao do berco da marrabenta. neste disco o Feliciano Ngome, ja faz referencia a marrabenta como estilo de danca e a sua guitarra nao faz senao marrabenta.....fim de semana te passo o disco...
Irmanito,
Penso que alguem os deve fazer conhecidos. Gostaria de os conhecer.
Nyiki, o Amosse abriu-nos a porta para conhecermos estes homens; agora temos que ser proativos e irmos "atrás deles" para podermos "privar" com eles e beber de nós enquanto povo com história na cultura, arte, política etc.
Eu vou dar um exemplo. Segunda sou capaz de viajar a Inhambane ouvindo esses homens. Sei onde os vou encontrar. Não sabes Amosse?
Eu tambem quero o meu, meu caro Amosse!
Aquele abraco,
MM
Nyikiwa, Julio e Machel, TENHO O DISCO PARA VOCES. E TENHO A CERTEZA DE QUE DDEPOIS DE OUVIREM, ALGO NAS VOSSAS MENTES VAI MUDAR...ACREDITEM
Irmanito. Antes de mais te parabenizo por te dedicares como ninguem a este lado da nossa inexlorada riqueza musical resguardada pela historia. Estou procupado porque nunca te dispuseste a emprestar-me o tal disco que sempre me fazes ouvir atraves das colunas do teu computador quando estamos na nossa sala oval a trabalhar. Vamos ter que ajustar algumas contas. Afinal sou teu puto ou nao?
Amosse,
Essas guitarradas são de embalar, elas não tem fronteira...elas convidam...
Não se pode ouvir esse disco sozinho, pois em seguida queremos comentar, alias há sempre que falar dele...já não me lembro quando o ouvi, mas sei que foi Mauricio Tembe, um amigo tecnico da Radio e disse "puto" leva e traga amanhã...confesso que fiquei com disco um mês pois queria contar lhe uma estória, mas lembrei que para ele era uma relíquia... devolvi...
Por isso também estou na lista para emprestimo (risos)...
Khanimambo Amosse
Viva a República, o marralhão (in JPaulo, noites de Maputo)
Bantus que somos, estamos proibidos de termos irmaos preferidos. mas tu irmanito, sem receios, es meu irmao preferido (ainda que isso me custe a reprovacao do grupo).
seja pro-activo irmano e me arranque o disco, porque, como bem dizes, o ouves todos dias na nossa sala oval, na nossa sagrada labuta diaria...o meu disco ee o teu disco, sempre irmanito.
Ouri, nãosei porque cargas de àgua(como sempre diz meu bom irmanito Nero), tinha a certeza de que virias (entenda este texto como uma armadilha para si), e ainda bem que estas aqui, porque, vais testemunhar para os demais que não falto a verdade.
Vou-te passer o disco Ouri, para que nos conte a estória devida ao Maurício Tembe…
JP? Sempre presente, como a República (do Plato?)….Khanimambo eu Ouri
Ouri, o anonimo eh o Amosse, rasteiras da tecnologia...abraco
Gostaria de ter a oprtunidade de ouvi-las
Elizabete (se bem vinda a esta casa, sei que ee a primeira vez que aqui comenta). se estivesses aqui em Mocambique, entregava-te o disco hoje mesmo.
o desafio do Modaskavalu eh trazer estas e outras musicas para o blog(em breve).
ate breve
Afilhado, fim de semana ja era e o disco... nickles! Mas tudo bem, Amosse, deves é juntar a esse disco aquele outro (old school) que ouvimos e discutimos numa loja onde compravas brinquedos e eu um guarda-chuva. Lembras?
Aguardo, com a paciencia infinita que tenho. Aquele abraço
Amosse,
Madrinhas de Hoje... é melhor cumprir com a promesa da madrinha Ximbi...pois como diz: " o disco... nickles"...por falar de (old school) podemos compartilhar...manda se sua lista dos 1000 numeros eu te mando a mingad de 50 tseee...
Um abraço
Mosse "undzi tsandzile mufana" continua vai vai... vejo que há um futuro promissor aqui. a peculariedade do seu trabalho está na razão da nossa moçambicanidade embora aquem ainda acha que só ele é que faz Moçambique andar! conta comigo Brother.
Ouri, vou cumprir com a promessa feita a minha madrinha, nhanisse (como diz o outro)....Chacate,ha quanto tempo meu bom amigo...sei que posso sempre contar consigo e claro, conte tambem comigo, sempre.
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