quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

NANANDO

“Confessa que nosso destino é estranho, extraordinário!”

Em conversa dizia à uma amiga que nunca matei os meus mortos. Sim, eles vivem todos os dias no meu imaginário e, à noite, “...debaixo do medo dos feitiços e dos deuses”, meus mortos me espreitam de todos os cantos. E, nessa altura, um misto de medo e aventura me invadem, o estranho e o maravilhoso, o desconhecido e o inexplicável fundem-se numa realidade fugaz, mas realidade.

E isto, não pode ser obra do acaso; se é alucinação, sonho, delírio, real e/ou irreal não sei e nunca exigi outra verdade de mim, porque o estranho e o maravilhoso sempre me fascinaram. Quantas vezes e no meio da noite, conversei com o meu falecido avó Mavonho e, inquirindo-o, pelo facto de me procurar mesmo que morto? Quantas vezes, revi semblantes de ente queridos que partiram? Quantas vezes e quantas dores que esconjuro, mas que voltam em catadupas no meio da noite?

Bom, não foi para falar de mim que escrevo estas linhas lúgubres, escrevo, para esconjurar mais uma morte, destas que só a crença na imortalidade nos pode aliviar de tamanha dor; falo da morte de Nanando.

Colheu-me de surpresa e não porque esta costuma avisar, mas, porque, nos nossos bons costumes a velhice cura qualquer morte. Custou-me aceitar, mesmo sabendo que a morte é um facto certo para qualquer homem.

Cimentou em mim esta morte, a impressão de que a vida não nos pertence, sim, tem quem a controla, quem nos dá e tira quando bem entende.

Porque se fosse para esperar a data certa, não nos tirava ELE seja quem fôr, o prazer de redescobrir na distância inevitável entre o consciente e incosciente, aquela guitarra de acordes únicos, a que se toca no Montreal de Chamanculo, aquela que nos fazia crer imortais, que nos dava a ilusão de trascendéncia, que nos tornava primeiros entre os iguais.

Guitarra do mistério real dos pés que sentiram o chão quente do sol do Chamanculo, de Mafalala, de Namutequeliua, de Paquite, pés que sentavam em seus joelhos e seguravam a guitarra firme para a alegria do meu povo.

Sim, a guitarra do Nanando era uma transição entre a pura espontaniedade do que seus dedos aprenderam com os espíritos dos refinados tocadores de Chibuto e de uma mente que constantemente partia em busca de um mundo ideial no jazz, funk, gospel, blues rock...

Aos inonconsoláveis pelo facto do Nanando não ter deixado um disco, devo lembrar que o Sócrates, quando condenado a beber cicuta, dizia que não se podia matar a verdade. Assim o dizia, porque já a tinha transmitido aos jovens.

Não pretendo assim, minimizar o facto de Nanando não ter gravado um disco e nem o facto de a cultura não ser agenda no nosso país, mas sim, enaltecer o facto deste ter deixado semente que sei germinar a toda a hora.

A minha raiva neste momento é uma Hiena que devora a presa, mas engane-se quem pense que do meu semblante caiam lágrimas. E nem podem cair, porque no meio da noite, Nanando volta em brancas plumas negras para tocar sua guitarra directo para o meu coração. Volta para embalsamar meus quentes lencóis frios.

E não sou imortal? E não será Nanando este Deus que me invade para alentar minhas noites sofridas?

Minha mente brilha uma clara luz neste momento e, no céu incorruptível dos espíritos da cultura moçambicana nem os que boicotam os nossos lídimos sabores podem hoje me aborrecer, porque vivo neste momento sons de uma guitarra concreta, que marca seu espaço em outros lugares. Acredito que haja Chamanculo no Céu.

Viva a cultura, viva o Nanando e viva a República.

não encontrem erros neste texto, porque o mesmo não foi revisto; foi escrito de dentro para fora e com lágrimas que teimam em cair, e ninguém as vê.

2 comentários:

Julio Mutisse disse...

Volto a parafrasear um pastor numa cerimónia fúnebre: o problema é que Deus não pergunta a quem levar... ele na sua santa sabedoria e de acordo com os seus interesses, leva quem acha que deve ir para o outro lado. Desta vez foi Nanando.

Espero que mais do que o Jimmy famoso, hajam outros Jimmys que virão e confessarão que beberam sabedoria do Nanando.

Tenho inveja de quem o conheceu pessoalmente, todos dizem que para além de grande guitarrista era uma grande pessoa.

Descanse Nanando, só não sei se isso é possível porque continuas a tocar para mim a todo o tempo e, até onde sei, para o amosse também.

Ximbitane disse...

Parafraseando outro "morreu o homem, ficaram os aneis"! Compete a nos lapida-lo