sexta-feira, 20 de novembro de 2009

José Mucavele: o ícone do resplendor africano

José Mucavele: o ícone do resplendor africano

Zé é para mim a expressão mais poderosa e desenvolvida da concepção renovadora e vanguardista africana.

De facto, para Zé, África é a expressão mais densa das suas obsessões; a obsessão que aponta para um despertar, para um diálogo de reinveção profunda do que somos e pretendemos ser, de militância epopéica, do protagonismo que se impõe para que a solução dos nossos problemas sejamos nós mesmos.

Zé na maiora das suas músicas, progride rapidamente e de forma profunda; eleva-se de forma nobre e indaga-se: Hi dlayana hi yivelana hili vaxi kanwe...como quem diz, porque nos matamos se mesmo povo? Porquê nos autoflagelamos se filhos do mesmo ventre: Africa?!.

Zé busca por uma espécia de panteão das glórias africanas extintas pelo modernismo que assimilamos sem nunca o perceber; Os dizeres hi dloku utivi lava lungu, hi lheka bedjua la kokwnani...(vestimos a capa do ocidente e rimo-nos da nossa tradição), nos ajude a perceber essa busca, a mesma que Zé encetou no Xigutsa xa utomi.

Ele esboça uma espécia de valores trascendentalistas que sabe que o povo africano tem demais. Procura em suas canções evidências concretas e substantivas de uma África que ainda se pode reerguer. (loko ho yaka lirhandzu linwana, xikwembu xa hina xita pfuka urhongweni), no sentido de que se construirmos uma nova união, nosso Deus [negro] vai despertar da (longa noite de sono a que está votado) letargia.

Quando coloca a ideia de que Hi lava va taku vadla teres parato kuvi hina mamanoo hidla hafo prato ..ou melhor; os que vem comem três pratos, quando a nós servem metade, longe de ser uma exaltação xenófoba, Zé,coloca as coisas no sentido de que o principal beneficiado pela riqueza que o pais (África) produz, deve ser antes os nativos, mas não; temos aqui o Xighontlo, este pássaro esperto e egoísta, que se dá ao luxo de comer todos os pratos, deixando-nos com a metade.

Há quem diz, que os versos de Zé, traduzem uma insatisfação com a vida real, na medida em que com a ideia da “aldeia global”, África, mesmo que queira, não pode pela conjuntura guardar as suas raizes, dominar o conhecimento sem fugir das suas crenças, mas eu penso, que o Zé, vive sim num mundo real, porque um povo sem auto estima, dignidade, cultura e sua forma de estar, não se pode arrogar povo.

Numa ambiciosa partitura musical e poliritmia que o caracteriza, Zé, faz da fusão e da diversidade cultural uma constante ocasião para a exortação heróica do nosso povo, a quem em algum momento e numa outra música diz que os que profetizaram a partilha do continente taparam a sua estrela cintilante, numa clara alusão a escravatura e domínio colonial sobre África, no sentido de que esta, retirou-nos toda a sorte, toda a oportunidade de brilhar, todo o resplendor africano.

Zé procura por uma existência concreta que não se pode achar e nem aproximar do conceito que o ocidente quer de nós; na verdade é no retorno a nossa espiritualidade que renasceremos para o resplendor, porque nós sabemos e bem onde a nossa estrela da sorte brilha.

Zé é protagonista de uma África real que ele aprendeu no chão da sua terra e que se lhe escorrega hoje a sua vista sem que grito nenhum possa dar.

Mas grita o Zé, grita e bem fundo nas suas músicas, traduz (ainda que intraduzível) o brado africano, a eloquência da nossa heroicidade, o lapidar de uma pedra angular onde nós seremos donos e mestres da nossa própria sina, onde, seremos os mentores das nossas políticas, onde, seremos o despertar das nossas próprias consciências, onde, seremos concebidos e percebidos pela nossa mística e não pela capacidade de renúncia da mesma mística, onde, o nosso orgulho, sim orgulho africano será a perseguição incansável dos nossos valores.

Zé caminha pelos corredores de sonho e pronuncia as últimas palavras que um dia acredito serão as primeiras: África surge et ambula.

Vim, uma vez mais, enaltecer a luta consciente do Zé pelos valores africanos, vim aqui, traduzir o seu discurso apaixonado pelas nossas coisas, vim aqui, trazer o resplendor africano sempre presente na sua canção.

Bem haja o Zé, a quem ainda vou cantar neste espaço à minha maneira, a quem vou dar sempre odes, porque guerreiro incansável da nossa luta.

2 comentários:

Magus DeLirio disse...

``Porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais penetrante do que espada alguma de dois gumes, e penetra até à divisão da alma e do espírito, e das juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e intenções do coração. [Hebreus 4:12]``

Este trecho bíblico descreve exactamente a sensação que a musica de José Mucavele me transmite. O resto eh tudo aquilo q tao bem escreveste. Mais do que um africano José Mucavele é também um ícone do resplendor do mundo.

amosse macamo disse...

“...penetra até à divisão da alma e do espírito, e das juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e intenções do coração”

Magus, obrigado por trazeres a mística na análise dos temas do Mucavele.
O Mucavele e bem falas, não pode ser amarrado a África somente, é de facto um cidadão do mundo. Um mundo que se realiza apartir da realização psicilógica que ele tem de África.
Obrigado por este pensamento de diferença que emprestas aos meus escritos.
Bem haja!