terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Hortencio Langa, o poeta das boas essencias

Kudakabanda, um disco que deve ser reeditado.

Admiro a autenticidade dos fazedores da boa música moçambicana. Cada executor tem a sua linha. É lógico, que esta se encontre algumas vezes com a linha de um outro, mas, mais distancia-se do que encontrar-se.
É só pegar, a linha de execução de José Guimarães por exemplo, é uma linha única e é isto, que faz dele o excelente executor que é, e o torna diferente dos demais, embora se possa encontrar algumas linhas comuns, com alguns artistas, exemplo da música “masseve”, que se confunde com a música “ho hanha kuti vonela” de José Barata.
Hortêncio Langa tem também a sua linha característica, uma fórmula única, uma forma musical difusa, marcada não só por estilos nacionais, como a fuga para o jazz e mais outros estilos internacionais. Costumo chamar o Hortêncio Langa, de poeta da vigília e de boas essências.
De vigília, porque sempre lúcido, sempre acordado para a intensa actividade que é a vida artística, aberto a novas tendências, sem contudo se desviar da sua linha.
De boas essências, porque, a sua música é perfumada por falas tão doces e leves cujo trato, lhe segue José Barata.
Sim, estes homens têm um verbo poderoso e leve, têm claro, formas de execução diversos, mas planos estéticos idênticos.
Eles cantam suas letras e melodias, como se estivessem a descarregar, constantemente a música de algum peso que a sufoque. Como se escolhessem as palavras que compõe as letras pela sua beleza e não pelo significado.
Hortêncio sabe lapidar suas canções, sabe analisar o social com um toque de classe, concretiza seus temas com uma execução rítmica própria de quem conhece a escala.
Semana passada, despertado pelo encontro do acaso que tive no Gil Vicente com ele, decidi rebuscar suas músicas.
Kudakabanda, foi a primeira música que ouvi e que se diga, a riqueza multiforme de melodias ali exploradas, levou a necessidade de ouvir o álbum todo e surpreendi-me:
Hortêncio fez no Kudakabanda, um álbum futurista.
Aquando do lançamento do álbum, e talvez influenciado pela fraca capacidade de análise, não encontrei, o peso estético que esperava encontrar do Langa, isto porque naquela altura, interessava-me apenas ouvir e não analisar e alisar. Não achei o álbum tão forte, como a personalidade do seu criador.
Mas o tempo, este nivelador, me provou o contrário; Kudakabanda é um álbum e tanto, é uma frescura de palavras ditas com maturação de um homem que aprende progressivamente, é uma mescla de sons marcados pela perfeição.
O desafio maior e certamente o mais estimulante no álbum situa-se nas letras do Hortêncio que constituem um infinito jogo de palavras que se espelham reciprocamente.
Rompe no seu cantar com o tradicional e com os seus próprios limites tradicionais e sob uma bandeira de poetização do seu discurso, vai construindo letras leves reveladoras de um certo nível de investigação literária, o que não é de estranhar, pois Hortêncio é também para além de músico, poeta confesso e com obra no mercado.
No entanto, não se trata de um discurso preocupado somente com os níveis estéticos, pois, há nas suas letras, outras verdades que devem ser descobertas, como quando diz na música Gha Tchotchovolo que ….swaku phuza niku gha tchotchovolo/kambe mundzuku ka siku loku ni pfukile/ni yinguela vanana vani kombela shinkwa/pawa. Shiriloooo (a mania de beber até cair quando no dia seguinte ao acordar ouve as crianças a pedirem pão e são prantos.
Quantos de nós nos revemos nesta música e se não, quantos amigos e familiares que conhecemos, que tem essa mania de esticarem o máximo, (bebendo até cair de costas) quando sabem que em casa falta até pão.
Outro factor é o arranjo desta música e honestamente, se tivéssemos no país, um top 10 das músicas mais bem produzidas, esta havia de constar.
Ou quando diz numa outra música que “…é preciso encher de mundos, esses olhos ocos/que flutuam perdidos na cegueira do pensamento (…)
É preciso espantar a morte/sacudir os vendavais/abortar a fome na terra grávida/terra grávida de 12 meses/ e mãe por mil vezes,”
quanta poesia aqui existe? Quantas verdades ditas em duas palavras apenas?
Esta, é sim, a face poética do Langa a que fazia referência acima, poesia que se pode sentir e viver na música que dedica a cidade das acácias, onde diz entre outras palavras que “Maputo.cidade, como tu não há/com toda vaidade…/cidade surpresa/quem não te quer cantar/se tua beleza tem tudo para encantar (…), é a leveza das palavras a que me referia, que fazem do Langa, o poeta das boas essências.
Segunda-feira, aproveitei e dei um giro nas prateleiras das nossas discotecas e não achei sequer um disco de Hortencio, contudo, a admiração que causa este disco, sempre que é tocado, o menor número de tiragem que teve, a poesia e beleza das músicas, o arranjo fino que deveria inspirar as novas gerações, o som leve e sempre a desaguar no mar da verdadeira canção, leva-me a concluir que o Kudakabanda, deveria ser reeditado, talvez, aditando-lhe umas duas novas músicas, o que não sufocaria o disco, se levarmos em conta, que tem apenas 8 faixas.
Está agora lançado o desafio e espero que o Hortencio me responda e com uma resposta única: reeditar o Kudakabanda.
Então ó poeta da vigília e das boas essências: sai ou não o Kudakabanda?
Amosse Macamo

12 comentários:

Júlio Mutisse disse...

Por vários motivos esse album devia ser reeditado. Assim o adquiria de "novo" pois o que adquiri na época em que conheci a Yndongah fo suripiado da minha casa ficando apenas a caixa com a qual de vez enquanto me cruzo quando vasculho minhas memórias (na mesma época sumiram os unplugeds de Baby Face e Eric Clapton veja só quanta maldade).

Devia ser reeditado também pela sua beleza, riqueza rítmica e temática. Devia ser reeditado pela sua raridade. Os nossos filhos curtirão esse disco como UM CLÁSSICO da nossa música. Retenha isso. E é.

Estou aos prantos... meu disco. Hortêncio se me ouves, please reedite o; o disco foi surripiado por alguém que concorda comigo. Ele é bom.

amosse macamo disse...

esse amigo do alheio que a socapa e a sorrateira se apropriou desta reliquia de album...aconteceu o mesmo comigo, na verdade, a mim nem deixaram a carta para recordacoes, snif, snif, quanto aos unplugeds do Face e Clapton, hei, muita perda junta, muita mesmo.
motivos para reedita Kudakabanda sao diversos amigo Mutisse, sao tao diversos, que so a reedicao os resolveria.
levei uma amiga meu la para casa, da escola do jazz contemporaneo e ficou deslumbrado com o Hortencio e nao era o primeiro, nem segundo...
associo-me a si, para em unissono gritar:
p'lease Hortencio, reedite o Kudakabanda

amosse macamo disse...

pois, o Hortencio vai cantar esta noite no Africa Bar. gostaria de fazer a cobertura do espectaculo, mas, os espectaculos nao podem interferir na minha vida familiar percebem?
minha mulher ja reclama das minhas ausencias e eu a dou toda razao...bom, vamos ver...

Bayano Valy disse...

caros,
o amigo do alheio que decidiu tornar-se proprietário dos vossos discos deve ter um bom ouvido - espero eu. a não ser que o tenha feito apenas para revender. se for o primeiro caso, nada está perdido. a música de hortêncio está a alimentar outras almas sedentas de ouvir algo sofisticado.
agora, não quero alimentar as vossas esperanças: hei-de procurar saber com o stewart e/ou amâncio miguel se não têem o disco. sei que vai ser pirataria, mas acho que algo que já não está a venda não pode ser piratado (é assim?). se não conseguir desses, vou pedir ao meu taxista.

amosse,
no teu primeiro parágrafo dás a entender que há boa e má música moçambicana. podes te explicar?

Anónimo disse...

Amigo Amosse, todo o dia de hoje soo li teus posts. Simplesmente maravilhosos. Reveladores. Tindtlondho ta nwina va ka Macamo tiyo hlutiwa kwihi?

Creio que foi o meu irmao Julio que te fez uma sugestao num dos seus comentarios: PENSE NUM LIVRO SOBRE O CANCIONEIRO MOCAMBICANO DO SUL DO SAVE. Do Sul porque o teu dominio linguistico dessa area ee profundo.

Colaborador aposentado dos meios bloguisticos, ee com muita alegria que verifico que, com a minha merecida reforma, estao a surgir muito mais mocambicanos que pensam o seu paiis com muita mais competencia do que aquela que transparecia no meu tempo.

Desejo-te muita forca.

Gabriel Muthisse

amosse macamo disse...

amosse,
no teu primeiro parágrafo dás a entender que há boa e má música moçambicana. podes te explicar?

Faça isso amigo Bayano, devolva-nos a alegria para ouvirmos até hiku gha tchotchovooolooo…agradecia se pudesse recuperar este álbum…..
Há boa e má música moçambicana sim amigo Bayano. Mas te conheço, queres me encurralar na questão da música feita em Moçambique, e a moçambicana.
Bom, não vou entrar nessa linha porque podes me apanhar mesmo, mas acredite, os pandzeiros fazem música moçambicana, sim, mas aquela não é boa música, aliás, na minha classificação, aquilo não é música, porque desprovido de arte (estou a generalizar)
Queres me perder Bayano, por isso paro por aqui

amosse macamo disse...

Amigo Gabriel Muthisse,
Lisonjeia-me que tenha passado daqui do Modaskavalu, primeiro pelo seu comentário, segundo pelo atenção que teve de ligar-me para falarmos deste projecto de Blog, terceiro por saber que apreciamos a mesma música.
Obrigado pelo elogio e agradeço ao meu amigo Júlio, em o ter sugerido a passar daqui do Modaskavalu.
Foi sim o Júlio que me propôs um livro sobre o cancioneiro moçambicano de sul de save, só nao sei se este, vai interessar a alguém; tenho minhas dúvidas. Mas sinceramente, sou obrigado a inclinar-me nessa ideia.
Obrigado pela força e deveria já agora amigo Muthisse repensar na sua aposentação do meio bloguista, porque nos precisamos aqui de você, até para nos puxar as orelhas.

Anónimo disse...

Hortencio Langa e um decano da musica mocambicana e um dos cantores mais carismaticos que este Pais tem. Adoro as musicas dele: boa execucao, voz afinada, mensagens construtivas e que soam bem ao ouvido, para alem da sua simplicidade e presenca em palco! Que seja reeditado o disco, que irei adquirir. Quanto aos larapios que vos tiraram os CD's, concordo com o Bayano nao sao pessoas quaisquer, mas sim pessoas de gosto e ouvido requintado! I'm so sorry!

amosse macamo disse...

Essa me faz lembrar um ladrão que espancou um amigo meu, porque aquele tinha um celular de uma série ultrapassada quando aparentava ter um último grito. Isso irritou ao “tio ladrão” e meu amigo levou uma valente sova. Bom, se o tipo que nos roubou os discos está a consumi-los devidamente, não há crise; agora, se foi para vender, a quem o vai arrumar por incompreensão, dói e muito.
O Hortencio, repito, é um poeta de boas essências, sabe dizer as coisas; as boas e más, mas, sempre no mesmo tom fino e bem elaborado. Há dias vi uma entrevista em que dizia estar a preparar um novo álbum que cá por mim é bem vindo, mas por favor, antes disso, reedite o Kudakabanda Hortencio

Júlio Mutisse disse...

O Hortêncio tem que reeditar o disco mesmo que seja para nos "ressarci" das perdas que tivemos originadas por pessoas a quem demos o acesso às nossas casas (o meu foi em casa, não tinha carro na época em que sumiu). É um dever para nós né Amosse (é que nós não queremos PIRATAR, queremos original)? É um dever para os amantes da música, é um dever para aqueles que inspirados na excelente apresentação feita pelo Amosse, se interessarão pela poesia do poeta das excelentes essências, é um dever para com as minhas filhas que, ao plástico que a Rádio, a TV e a Internet as dão, incluirão (para além do Nkuvo, Baladas para as minhas filhas, Makwero, Nhassavele e outros que actualmente "cantam" lá em casa) música de verdade (Bayano please não me questione nada) na voz melodiosa deste grande filho de Mozie.

Se o Hortêncio não nos ouvir, passamos e repassamos uma SMS a convocar "tumultos" no seu quintal a exigir a reedição do disco e no auge da "selvajaria" exigiremos o reencontro permanente e diário do ALAMBIQUE. Hehehe, seria o máximo. Ai é que a FIR se juntaria a nós como reconhecimento da npssa boa causa....

amosse macamo disse...

rs rs rs rs Mutisse, ou entao a moda dos Madjerman, vamos marchar uma vez por semana, lancando improprerios ao Governo, afinal culpado de tudo ou quase tudo que nos acontece rs rs rs rs
o Hortencio vai saber acredito, acautelar as nossas preocupacoes.
abracos

centro de formacao laboratorio de ideias disse...

E O KHUDAKABANDA SAIO!
J a esta desponivel no Mercado
- Na loja do Centro cultural franco Mocambicano
- mas tambem podem encomendar pelo Email: centro.ideias@gmail.com