Hoje discute se o eterno problema e nunca solucionado em qualquer sociedade sobre a arte de fazer música. E porque a música é arte, deve necessariamente ter seus pressupostos. Entramos no velho conflito de apreciar e depreciar certa maneira de fazer música.
Coloca-se na discussão a questão de alguma música ser considerada “pimba” e outra genuína.É claro que nesta discussão não se deixa de lado o carácter estético que se espera nas letras e, sobretudo, a mensagem que estas transmitem. Este debate não deve e nem pode preocupar, porque acho imperioso procurar os valores da nossa música e nem que seja necessário buscá-los na sua própria incerteza, pois, que se diga, é ambígua a classificação do que seja “pimba” ou não.Não quero, por várias razões, entrar neste debate. Quero, sim, abordar a questão da mensagem nas músicas dos jovens que tende mais ao apelo sexual e erotismo, o que indigna a velha guarda e a sociedade em geral.Escrevo numa altura em que escuto, Zeburane, excelente guitarrista, de uma voz e trato únicos nas suas canções, homem de canções melódicas e com uma forte carga de mensagem. E ao falar deste, pretendo tomar em atenção a música “wadla bomu ke?” e o alto sentido de apelo sexual e erótico que a mesma possui.Esta canção, a meu ver, é talvez a mais erótica, é a mais apelativa sexualmente que já se produziu nos anais da música popular moçambicana, senão vejamos:A música retrata a história de um casal (em forma de diálogo) onde o marido (Zeburane) pretende ter relações sexuais com a sua esposa (Maria), mas esta se recusa porque tem um filho a amamentar e doente. E é justamente por esta recusa que se desenrola toda a música e com as histórias que esta acaba carregando.“Tsunela seio a nwana a vabyaku, unga ni hulumeteli ninga ku bhokola xikwembo... mina swa ni vavissa a nwana a vabyaku” (chega-te para lá que a criança está doente, não me apalpe que te insulto, por Deus que te insulto).Quando o libido sobe, mesmo quando se sobrepõe a questão da saúde do filho, o homem não pode mais esperar e, quando frustrada a tentativa, como aconteceu aqui procura outras soluções para resolver o problema, daí que Zeburane não insistiu com a mulher, mas sim, saiu à procura de outras mulheres.O mesmo Zeburane justifica-se quando a mulher questiona este comportamento, indagando: “não foste tu que me negaste o beijo” (a hi wena unga yala kuni nyika khissi) e, entenda-se aqui o beijo como preliminar. E num jeito de desabafo, a mulher, Maria, reclama do hábito da vida devassa do seu marido Zeburane “u tolovela ku famba vusiku nkata, Zeburane nkata”, ou seja, esse seu hábito de andar a noite, meu marido Zeburane.Mesmo com as reclamações da sua mulher Maria, Zeburane continua a sua incursão na noite, mesmo quando corre o perigo de contrair tuberculose (u famba vusiku u ta vuya ni ndere). A conotação noite/tuberculose surge do contacto sexual casual com uma mulher que provoca o aborto sem os cuidados que este exige e logo de seguida pratica relação sexual, prática que era constante nos tempos idos.A discussão entre o casal acaba levantando outros problemas onde Zeburane assume que tem desejos incontroláveis, mas também afirma que o mesmo não é exclusivo dos homens pois “as mulheres são umas desavergonhadas (a vavasati a vana tingana, loko vadla bomu, hambi lo tsave, tsave, u xelu xelu matilho vaya kona mpela), dito de outro modo adoram comer limão (fazer limão) mesmo que amargando, vão contorcendo os olhos e querem mais, autênticas gulosas.E porque Maria não queria perder Zeburane para as “piranhas” da noite, acaba cedendo e mais, Zeburane vai ao pote com tanta sede ao ponto de morder os lábios da sua amada até sangrarem (a nomu wu huma ngati) provocando o seguinte protesto: “Mordeste-me os lábios Zeburane, veja que até estão a sangrar” e coloca-se a questão: a que lábios Zeburane, de tanta ansiedade fez sangrar?Zeburane prontamente pede desculpas e justifica-se a sua esposa Maria, (e talvez aqui, fica claro de que lábios se tratava), pedindo que compreendesse que comer limão não é tarefa fácil, “... é como uma guerra onde se exige uma ginástica, uma flexibilidade, uma estratégia, um levantar para cima e para baixo espontâneo, enfim, difícil...” (mamana Maria, ni rivalele nkata, wa shi tiva swaku ma dlela ya bomu i nhimpi, iu yanunu, iu findzi, findzi, i ma rhambe rhambe).E quando esta põe em causa os ofícios de Zeburane, este o avisa (wa ma tiva ma bela ya mina, yoba hi xikossi), “conheces a minha maneira de bater pela nuca”.E surge de novo a grande pergunta: a que posição se refere aqui o Zeburane quando põe a questão de posicionar-se com a mulher olhando rente à sua nuca? O que está aqui implícito?Portanto, sem querer tornar este pequeno ensaio de música de Zeburane um relato prenhe de linguagem indecorosa, quis dar a entender que se pode falar de certos assuntos delicados, usando metáforas, figuras de estilo que nos remetem a um exercício para tentar descobrir o fundo da questão. E é justamente aqui onde reside a arte. Na capacidade de remeter o outro ao subjectivismo, a um constante indagar, onde não cabe uma verdade só.Na verdade, os músicos moçambicanos da velha guarda sempre fizeram o apelo sexual e ao “eros”, só não o banalizavam como o fazem hoje os jovens, as mensagens não eram tão explícitas como são hoje, vejam que até o próprio termo “modascavalu” que os jovens hoje acolheram apela ao vigor sexual comparando o cavalgar aos movimentos próprios do acto sexual, mas é preciso reflectir até chegar lá.O que hoje choca e não deve deixar de preocupar é a maneira exposta e despida com que a linguagem musical é trazida pelos jovens. E pergunto-me: numa situação em que algo fica exposto, valerá a pena o esforço da procura?Escute-se “Txongola” de Roberto Chitsondzo (Gorwane), a maioria das músicas de Xidiminguana, Mahecuane (Rosa), “Majilidana”, de Eugénio Mucavele, José Mucavele, há-de se encontrar excertos de um vigoroso apelo sexual e erotismo puro, mas sempre coberto por um véu.Há pouco, Baltazar Macamo teve uma interpretação fantástica de uma música de Fany Mpfumo que quase todos cantavam de forma inocente e nunca podiam imaginar a mensagem por detrás e por falar em Fany talvez lembrar um outro tema o (hodi, ni pfulele nkata,...) o abrir da porta que o Fany pede, pode-nos remeter a várias outras portas, pior quando põe a questão da capulana vermelha (capulana dza libungu), que só as mulheres já feitas vergam: não será esta uma referência ao ciclo menstrual? E quando o mesmo Fany canta “ni khemeli nlhampfi leyo, loko unga no khemeli na mine ni taku tsona tsumbula, lowu wa ka kwanga wa nandziha”), ou seja, saborosa e te garanto que é mesmo saborosa” quantas interpretações podemos fazer desta afirmação. Quanto apelo sexual está lá implícito? Basta lembrar o formato de uma mandioca e o líquido esbranquiçado que a mesma produz, há-de logo aferir a comparação com o órgão genital masculino. A referência ao peixe é óbvia, é só imaginar o formato do peixe e equipará-lo ao órgão genital feminino, o cheiro.A banalidade cansa, desvaloriza no lugar de valorizar, deprecia a mulher no lugar de a cantar e encantá-la, choca e agride, mesmo que as músicas em termos rítmicos sejam apelativas esta, acaba sufocando-as.Os jovens deviam ser mais ousados, interpretando as suas canções não só com a mestria que agora impõem, mas com alguma arte, porque mesmo a música “pimba” tem algo de belo que se aproveita assim como algumas consideradas da velha guarda, há algumas com mensagens intragáveis.E que dizer destes jovens que as suas músicas fazem os ambientes festivos e conduzem, embora por pouco tempo, a felicidade deste belo povo?Merecem ou não respeito e algum encorajamento? Sinceramente acredito que sim, mas se impõe que reflictam um pouco antes de lançar a sua música, porque antes da fama existe um homem que é preciso preservar.E a terminar, porque não chamar João Paulo que uma vez disse que a “música moçambicana não era só rabo!”.
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