Irmãos Tamele: um tributo ao amor
SR. DIRECTOR!Numa época marcadamente masculina e numa região iminentemente paternalista e por isso mesmo machista como a do sul do país e propriamente em Gaza, os irmãos Tamele apareceram com uma música que rompeu com este “status”, conferindo assim um estatuto de enunciação da mulher, onde o homem finalmente reivindicava a sua liberdade de amar, contra todos os “ismos” que reduziam a mulher a um mero objecto de prazer, procriação e mão-de-obra nas lavouras.
São vários os exemplos da intolerância desta sociedade para com a mulher e da sobrevalorização do homem como dominus. Basta lembrar que não se podia pensar nunca no facto de o homem ser estéril, pois este mal era exclusivo da mulher, daí que naquelas situações que a família descobria que o homem era estéril, recorria-se a esquemas de linhagem onde alguém da família e de preferência do irmão mantinha relações sexuais com a mulher do seu irmão. Seria esta uma forma de esconder a vergonha da família e manter aos olhos de todos a imagem do super-homem. Outras sim eram as situações em que o homem convencionava com a família da noiva, enquanto esta fosse menor para que quando a mesma crescesse, fosse sua esposa sem atender de forma alguma a sua vontade.
Ora, estes pequenos exemplos, mas grandes na sua repercussão, mostram o quão aquela sociedade era hostil a qualquer manifestação de liberdade da mulher e era sobremaneira hostil a todo o comportamento por parte do homem que demonstrasse a sua sensibilidade para com os problemas da mulher. Daí que não se poderia imaginar e nem por brincadeira que numa situação de adultério o homem a pudesse perdoar. Só não podia este homem ser banido do grupo porque tal não era permitido, mas que se diga que todo o comportamento que daí haveria de se seguir seria o de total desprezo, com o risco de mesmo naquelas situações em que o filho a nascer fosse fruto da relação marital se dissesse como se costuma dizer “a nwana lweyi a fana na wena hishi kossi”, como quem diz “este filho é parecido consigo pela nuca”, como se fosse possível este exercício de ver a própria nuca!
Não se poderia pensar numa situação como a de perdão num terreno fértil de machismo como Gaza, mesmo que esse lugar seja em Ntchanwane, terra do grande homem Zeburane (homem sensível aos problemas da mulher) que, por sinal, é pai dos irmãos Tamele.
De facto, numa situação de comprovado adultério, a mulher sujeitava-se a dois mundos totalmente hostis: o do marido ferido e o da sua família ao retornar a casa.
De facto, para além da valente sova que receberia do homem forte das minas do rand, aquela seria escorraçada até a casa dos pais, com o homem a pedir de volta as suas cabeças de gado e tudo quanto se achasse gasto para “adquirir a sua mercadoria”, para além das devidas compensações e porquê não desposar a irmã mais nova daquela?
Sem esquecer que esta mulher ao chegar à casa dos seus pais também seria recebida por vaias e insultos, pois com aquele comportamento expunha toda a sua família, para além de que esta seria obrigada a restituir o que já não possuía e de que nada justificaria uma situação de adultério.
Entenda-se, nesta sociedade o amor não tinha importância e se tinha era relativa. O feminino contrapunha-se ao sentimento de virilidade, a mulher aqui não poderia tomar posse do seu prazer tão somente reclamar o “usufruto do seu corpo” e o seu orgasmo. A tradição a confinava a mera servidora.
Ora, atentos a estes factos acima enunciados os irmãos Tamele, com a música “Tana nkata”, parecem deitar abaixo esta maneira de ver as coisas ao cantarem: “ni tirheli djoni / niya tirhela wena, niya tirhela muti, niya tirhela vana, se vanga lhupeki. Loko ni bhala tinwadi a nlhamuli aniyikumi / utchava nikuni byela swaku awuyo siya a vana voshe / tana nkata u vula lomu ungale kona / ukombela arivalelo alirhandzo lingue heli”, ou seja “consenti o sacrifício de trabalhar nas minas para o teu bem, dos nossos e da família. Tantas vezes te escrevi, sem contudo obter resposta, tiveste até medo e/ou receio de dizer que tinhas deixado as crianças entregues à sua sorte. Mas, venha amor, diga-me onde estiveste, peça perdão que nem por isso o nosso amor vai acabar”.
Quantos de nós ainda hoje têm coragem de dizer isso? Quantas famílias se desfizeram por um deslize da mulher que poderia muito bem ser corrigido com um pedido de desculpas? E porquê não temos a coragem de uma vez que isso aconteça, nos propormos a investigar as causas primeiras e últimas que levaram a mulher a enveredar por este caminho?
E não é esta a visão do homem moderno e do ocidental que procuramos a todo o custo ganhar? Onde ganharam os irmãos Tamele ideias iguais?
Será prova de fraqueza perdoar em situações similares? E quando a mulher envereda pelo adultério em muitas situações não estará a chamar a atenção de que algo vai mal na relação conjugal?
Não pretendo obter respostas e nem trazê-las, basta lembrar que muitas vezes vale a pena o exercício de questionar.
E viva os irmãos Tamele que com a sua linda canção romântica trouxeram à superfície estes modestos questionamentos. E que se diga na história da nossa música posicionamento igual não se conhece.E por que não recordar uma outra balada de amor cantada por estes a “Judite”, mas esta é matéria do próximo ensaio.
AMOSSE MACAMO
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